Levaram meu dia primeiro,
levaram meu sono, minha idade,
o meu suor, o meu dinheiro,
o meu sonho, minha dignidade
Levaram tudo, deixaram nada,
levaram tudo aquilo qu'eu queria,
deixaram a minha casa vazia,
levaram a rua, também a calçada
Levaram minha fome e a comida,
levaram meu azar e minha sorte,
levaram meu sentido da vida
e até esse meu medo da morte
Levaram as cruzes que carrego,
levaram as perguntas que eu fiz,
levaram a madeira e os pregos
e até minha vontade de ser feliz
Levaram minhas roupas e objetos,
levaram meus ouvidos e os dentes,
os meus desejos mais secretos,
levaram meus olhos e as lentes
Levaram a cama e o meu colchão,
levaram meu fogão, meu armário,
levaram toda a minha imaginação,
me fizeram mais um grande otário
Levaram os documentos, a carteira
o meu lado bom, o meu lado canalha,
levaram o calor da minha fogueira,
levaram meus acertos, a minha falha
Levaram a minha praga e a oração,
levaram o meu ano novo e o natal,
levaram minha calma e o meu tesão
e o meu finados junto ao carnaval
Levaram a minha sede de justiça,
o que eu queria, o que eu joguei fora,
levaram o meu descanso e a preguiça,
o que tem pressa e o que até demora
Levaram o desespero e a esperança,
para ver o que ainda serve mais tarde,
levaram o velho, o moço, a criança,
o ato de heroísmo e também o covarde
Levaram as normalidades e as taras,
todos meus hábitos, todos os vícios,
minhas vulgaridades, as coisas raras,
até os abismos e os meus precipícios
Levaram tudo que estava solto no ar,
levaram tudo que estava na minha mão,
levaram o que puderam enfim me roubar
e têm coragem de dizer que eu que sou o ladrão...
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