sexta-feira, 29 de abril de 2022

Vou Vivendo

Vou vivendo...

Como viveram os saltimbancos medievais

Pelas feiras das aldeias

Procurando seu pão

E algum abrigo para o corpo...

Vou vivendo...

Como os pássaros procuram os céus

Para neles encontrarem 

Os caminhos para outras terras

Do outro lado do mundo...

Vou vivendo...

Tal e qual os gatos que pulam

Para o alto das casas e dos muros

Para dormirem sob o sol

Em sua suprema tranquilidade...

Vou vivendo...

Como os meninos pobres

Que encontram a sua alegria

Nos tesouros mais simples

Que a vida pode dar...

Vou vivendo...

Como os amantes que suspiram

Mesmo que sofrendo

E sabem que o amor em si

Mesmo triste é feliz...

Vou vivendo...

Poeta que sou e sempre fui

Devorando os versos

Como quem engole 

O mar em um trago só...

Vou vivendo...

Upuranga Nenê



Nascer sem nome como todos nascem

A fila de espera demorou um tento

E como feras nessa selva cacem

Pra sobreviver é preciso alimento

E ante outra fera maior se disfarcem

Muito cuidado com o contravento


Nada nos livra do correr de um dia

O sol nos aponta com inúmeros dedos

Com a mais movimentada monotonia

Em seus desnecessários segredos

A nau navega com sua grave avaria

Somos apenas mais pobres brinquedos


Os miseráveis estão pela calçada

Juntam seus trapos com certo capricho

Ter o mundo e só não ter mais nada

Do que a cidade acaba jogando no lixo

E mesmo a noite não ter mais calada

Cada um escondido em seu nicho


Nascer sem nome como todos nascem

Filhos da poeira e do pó e do cimento

E como estrategistas caminhos tracem

Tenham cuidado com cada momento

E ante outra fera maior se disfarcem

Muito cuidado com o contravento...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 164

 


Maria de dias e dias

Mania de muitos sóis

Acabei desentendendo tudo

Menos de nuvens que sorriem

Praças cheias de encantos

E mares de espertas espumas

Mania de dias e dias

Marina de muitos sóis


...............................................................................................................


De todas as madrugadas - apenas uma 

Uma só...

De todos os amores - só um perfeito

Apenas um...

De todos os sonhos - só um satisfeito

Só um deles...

De todas ilusões - eis a única

Acorde logo...


...............................................................................................................


Toda felicidade morta

Toda fidelidade torta

A necessidade engoliu a cidade

O tempo faleceu anteontem

É apenas uma calamidade

Ter que atravessar a ponte

Toda felicidade corta

Toda infidelidade suporta


...............................................................................................................


Sem atiradeira

Eu era malvado, mas amigo dos passarinhos

Achava bonito até umas flores sem nome

Que parecem com eles de asas abertas

Passarinho na cor lilás que nem vejo mais

Do quintal baldio (selva para mim)

Que não existe mais e nunca mais vi


...............................................................................................................


Comprem-me rapidamente um barco

Preciso dele com muita urgência

O mar me espera já faz muito tempo

Muitas marés vieram e foram embora

Assim como as luas passearam no céu

Eu nunca fui barqueiro mas preciso

Ir navegando por esse mar infinito...


..............................................................................................................


Todas as vidas são escritas

estão escritas

Não necessariamente com palavras

algumas nem tempo para isso tiveram

Mas mesmo essas

trazem indelevelmente na história

a marca da sua presença...


...............................................................................................................


Segredos de gaveta

Segredos de armário

A imaginação apronta conosco

Vive rindo quando dá sustos

Adora fazer surpresas

Transforma sombras em monstros

E pedras em flores

E nos faz imaginar felizes

Mesmo quando nunca fomos


..............................................................................................................

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Absoluto Relativo



Eu farei grandes poemas de poucos versos

A vida é um grande poema a ser escrito

Mesmo quando o poeta acaba se cansando...

Olho pelo alto nessa janela a rua tumultuada

E vejo tantos versos anônimos que passam...

O carro que passa em disparada para o nada...

O menino pobre e maltrapilho com tanta alegria...

O cachorro vira-latas contemplando o dia...

A moça quase bonita sonhando com seu amor...

O mendigo sonhando com suas moedas...

O passarinho repetindo sua cantoria...

Olho em volta os móveis imóveis e os objetos

Arrumados com o capricho que alguém teve...

A poesia baterá em minha porta hoje?

Eis que ela chega sorrindo sempre

Mesmo quando vem me falar sobre tristezas...

A imaginação continuará seu carnaval?

Em todos eles faltou um detalhe

Para que se tenha um no próximo ano...

Eu farei pequenos poemas de muitos versos

A morte é um poema tão bonito quanto a vida

Caço perfeições no ar que está em torno...

Cada detalhe é uma novidade estonteante...

Em mim guardo todo um infinito

Espalhado por centenas de páginas

Transformado em muitos minutos 

De quem eu conheço ou nunca conhecerei...

Coleciono enumeráveis sentimentos 

De um outro que também sentiu...

Meus olhos olham além de toda escuridão...

Meus pés percorrem todas as terras

Mesmo quando não saio do lugar...

Descobri variadas soluções para enigmas

Tão intricados que passam desapercebidos...

Tudo tão absolutamente relativo

Como um grande mar que trago no bolso...


(Para o poeta Gilberto Sorbini). 

Apenas Gestos de Um Clown Sem Graça



Não insistirei em mais nada

O tempo da teimosia já se acabou

Choveu muito e alagou a estrada

Eu já não sei quem eu sou


São tantos segredos banais

Folhas mortas que o tempo levou

Momentos são apenas haicais

Que apenas um tolo sonhou


Nem sei mais do que rio

Nesse picadeiro onde estou

Se hoje é calor ou é frio

Acho que ninguém se importou


A tinta escorre em meu rosto

Não importa mais quem pintou

Não sinto nem mais o gosto

Que agora o tempo levou


A plateia foi toda embora

A minha rosa nunca mais brotou

Quem aí pode me dizer a hora?

Acho que a minha hora chegou...


Acabou o espetáculo de um palhaço sem graça nesse circo mambembe...

quarta-feira, 27 de abril de 2022

O Coelho Que Não Era


A razão sem razão

A morte sem morte...

Onde está o coelho

que não era?...

Dias quase quentes

Noites quase geladas...

A simplicidade era um manto

que nos abrigava...

O choro engolido

A solidão invasora...

Por que deveria eu

escolher palavras?...

A cara de sério

A alma de Cão...

Os rabiscos das paredes

se imortalizaram...

O menor de todos

O maior dos tolos...

Por que amar

e ser desamado?...

Os céus que salvam

O mar que mata...

Foi há muito

e parece ontem...

Os rostos tristes

Eu até sobrevivi...

A morte não quer

os que já morreram...

Um filme antigo

Uma canção esquecida...

A tela perdeu a cor

e cegamos também...

O desmaio inesperado

Os dois passeios...

Já passou tanto tempo

mas não me esqueci...

O castelo já caiu

A maré já baixou...

Pode abaixar o som

para eu dormir?...

A razão sem razão

A morte sem morte...

Onde está o coelho

que não era?...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 163

 O que te acompanha 

O que te persegue

Tudo fora do programa

Estranho ao corpo

Invenções frágeis

Que acabarão

E serão mais poeira

Do que nossas lembranças

Sem lápides

Sem certidões

E te perseguem mesmo assim...


...............................................................................................................


A temporada de caça começou...

Todos os sonhos serão alvejados

E seus corpos jazerão no chão...

Todas as fantasias serão rasgadas

E irão diretamente para o lixo...

Todos os sorrisos transformados

Em rios de lágrimas...

Todas as falas emudecerão

Pelo poder que tudo aniquilar...

Todos os dias irão embora

Porque a noite chegou...

A temporada de caça começou...

Todos os dias do ano...


...............................................................................................................


Eis aí...

Todo meu desespero em pedaços

Tal qual um vidro em caído no chão

Que tento pegar com mãos nuas

Que me fere constantemente...

Eis aí...

Todo meu medo vindo em bandos

São fantasmas saídos do nada

De uma escuridão que eu mesmo fiz

Fechando meus olhos dentro da noite...

Eis aí...


...............................................................................................................


Repito todos os temas, sim

Falo quase as mesmas palavras, também

Todas as coisas acabam repetindo

Porque toda dor e toda tristeza é insistente

Todos os dias são desiguais

Mas acabam com uma semelhança cruel

Toda minha solidão é teimosa

As dores acabam nunca passando

De que mais eu falaria senão isso?


...............................................................................................................


Qualquer dia desses me esqueço:

que as pernas não ajudam mais,

que não sinto os pés como antes,

que estou preso entre quatro paredes,

que meu quarto acabou virando o mundo,

que falta sei lá quanto tempo para o fim da farsa

(pois é, a vida é somente isso...),

que não tenho outro lugar para onde ir,

que meu desespero é risível e vão...

Qualquer dia desses me esqueço...


...............................................................................................................


Tempo que não acontece

Ou aconteceu e não acontece mais,

Tudo não é, apenas parece,

Tudo parte e não volta atrás...


Mentiras feitas de ilusões

Pois nem os versos nos imortalizam,

Eles morrem como os verões,

Repeti-los? Eis o que precisam...


Tempo que não acontece

Ou aconteceu e não acontece mais,

Ninguém escutou minha prece,

Ninguém me deu de volta meus quintais...


...............................................................................................................


Dançar,

cantar,

fumar mais um mata-ratos, 

beber um copo de vinho

ou uma dose de cana,

rir sem motivo algum,

não disfarçar para o mundo

que é apenas um tolo,

um grande tolo

que aceitou sua pobre e deplorável

natureza humana

enquanto espera que a morte venha

e leve mais um filho-da-puta...


...............................................................................................................

domingo, 24 de abril de 2022

Certificado de Garantia


O queremos - não temos

O que não queremos - temos

Insatisfação garantida - eis a vida

O atalho faz a estrada mais comprida

E se chove é que nos falta guarida


O que gostamos - nos negam

O que não gostamos - nos dão

Se temos fome - falta-nos a comida

Se estamos cansados chega a lida

A nossa festa acabou interrompida


Se não queremos chuva - desaba temporal

Se está muito calor - logo chega o estio

Nossa explicação foi incompreendida

Meteram o dedo em nossa ferida

Nossa súplica ficou não percebida


Se amamos - nos odeiam

Se não amamos - nos perseguem

Toda existência foi mal concebida

Em cada voo começa a nossa descida

Cada natureza é uma doida varrida


Se você não sofre daremos seu dinheiro de volta...

sábado, 23 de abril de 2022

A Sombra da Sombra


Eu sou a sombra da sombra do que eu era

Acabou-se a espera

Morreu toda a primavera


Aquilo que eu fui nem bom nem mau

Chegou ao final

Passou meu carnaval


Os brinquedos que foram quebrados

Estão agora espalhados

Pedaços para todos os lados


Meus amores já foram todos embora

Não esperaram a hora

Toda tristeza só conhece o agora


Eu sou a sombra da sombra do que eu era

E com uma mentira sincera

Pretendia ressuscitar a nossa primavera


Aquilo que eu fui nem bom nem mau

Perdido num temporal

Na multidão como se fosse o tal


Os brinquedos que foram quebrados

Não serão nunca consertados

Todos os destinos são tão malvados


Meus amores já foram todos embora

Foram pelo mundo afora

O edifício da vida perdeu sua escora


Eu sou a sombra da sombra do que eu era...

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Só Em Sonhos


Pedra, guitarra, rosa, poeira

Desconexidades em minha mente vadia

Os cigarros que terminam de queimar sozinhos

Os chãos que estremecem sem bombas

Um mendigo estende a mão para as moedas

E os uniformes dos alunos estão impecáveis


Canções, berros, hippies, clowns

Acabei de acender mais uma fogueira

E as folhas cantam num coral impecável

Meu sono não se incomoda como era antes

Quando os passos de minha mãe madrugavam

No afã de fazer o primeiro dos cafés da jornada


Cabelos, desenhos, espelhos, cristais

Cada dia tem seus segredos e suas exposições

Como a nudez que nos imprime marcas sutis

Estamos andando num carro veloz na contramão

E as sedas que colocaram acabaram rasgando

Com tantas tabelas que temos que cumprir


Flechas, lampiões, serões, estátuas

Quando nossa garganta acaba secando

E alguém acaba fazendo frases mais geniais

As novidades vão invadindo a mídia local

E alguns rituais acabam surgindo do nada

Para que a tolice possa cumprir o seu papel


Afagos, desnorteios, esperas, espinhos

Em baús de papel guardamos eternas recordações

Choveu muito ontem e agora o chão já secou

Signos cabalísticos procuram os seus galhos

Enquanto os loucos dançam ciranda na praça

Nada é mais compreensível do que é ilógico


Acrobatas, façanhas, enigmas, correntezas

Toda transformação acaba doendo um pouco

Tenho muitas dúvidas para cada uma certeza

Os colares no pescoço dela brilham estrelamente

E o vidro que caiu e quebrou me traça mapas

Espero que a minha embriaguez passe logo


Eu faço mais milagres antes de acordar...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 162


Pouco tempo, muito pouco e muito o que fazer. Como quem procura os brinquedos que perdeu. Pouco tempo, pouco demais e tanto pra fazer. Devo amar todos os amores que não amei. Quase nada, contam-se os segundos apressados. Trazer de volta os sonhos que voaram lá bem do alto. O relógio está enguiçado, seus ponteiros correm como loucos. Meu grande medo, o tempo não faz barulho, chega na ponta dos pés junto com a morte. Preciso colorir todas as telas que deixei de lado, elas merecem sua cor. Pouco tempo, muito pouco e muito o que fazer. Até uns versos desesperados precisam nascer...


...............................................................................................................


Uma grande volta, meu amor, minha meninice junto à sua. Vamos sair por aí para catar estrelas e escutar sons que ninguém até hoje não escutou. O mundo é mau, muito mau, eu bem sei. E também cheio de muitos e muitos perigos, mas façamos um trato: Você me defende e eu lhe defendo. Me defenda com a sua pureza que se escondeu como uma brasa se esconde sob as cinzas, eu lhe defendo com a minha malícia que usa asas para ir sobre as nuvens. Uma grande viagem, meu amor, até quando eu não sei, até quando, sinceramente, eu não sei...


...............................................................................................................


Juntou uma multidão lá em baixo na rua para ver quem subiu lá no topo do prédio. Alguns curiosos com suas perguntas usuais, outros com seus celulares prontos para viralizarem em suas tolas redes sociais. Os bombeiros vieram cumprir sua tarefa, os policias cumprirem seu dever. Por que estava lá? Em que instante iria pular para o infinito ou para um grande vazio? Teria asas escondidas? Ou seria apenas a filmagem de um novo comercial? Ele tranquilamente tirou seu sanduíche do bolso, comeu, limpou a boca com a manga da camisa e tranquilamente desceu para o térreo...


...............................................................................................................


Onde eu estava? Nem eu sei... Talvez repetindo súplicas inúteis por dias melhores, dias iguais aos que passaram e eu nem vi... Estaria no alto, bem acima das nuvens que tranquilamente dormiam ou em abismos desconhecidos de uma certa paz mesmo que solitária? Ou seria o paciente em coma que ainda sonhava no meio de uma escuridão espessa como um pneu queimado? Não sei... Não sei... As minhas infelizes dúvidas podem ser até um consolo em meio ao turbilhão de nadas em que vivo. Onde eu estou? Nem eu sei...


...............................................................................................................


O absoluto é um cigarro torto na boca de um bêbado. O relativo é uma mancha de batom no colarinho de um adolescente. O sonho é um rato que escapou da ratoeira. A fantasia é o sol que um gato deitou para dormir. O amor brinca fazendo castelos na areia molhada da praia. A solidão fecha os olhos para não ver a multidão em torno dela. Revoluções começam todas pelos quintais. A coragem foi o medo que veio com defeito de fabricação. Os gostos não desaparecem das bocas enquanto usam suas camuflagens. Todo poema é uma pedra atirada que nos atingiu sem querer...


...............................................................................................................


Comecei a espreitar-me e descobri variados ineditismos. Alguns acabaram me chocando, outros nem tanto. Nada mudou realmente, só as embalagens acabaram ficando empoeiradas, mas seu prazo de validade é quase infinito. Ainda acredito como a maioria das pessoas que a esperança foi dar um volta pelo quarteirão e chegará logo para almoçar. Também acredito que a solidão não quis ferir-me e isso aconteceu sem ter alguma malvada intenção. Comecei a espreitar-me e descobri vários ineditismos. Um deles é que ainda sento-me na mesma calçada e espero os doces de minha tia...


...............................................................................................................


Eu já me esqueci quantos foram embora, só sei que foram. Transformaram-se em nomes e em saudade também. Essa simplicidade é mais complicada do que possa parecer. Rostos que riam, rostos que choravam. Palavras muitas e agora silêncio. Eu era o menor da fila e agora sou o último. Posso trocar meu nome? Talvez seja melhor me chamar Saudade e com o sobrenome - Solidão...


...............................................................................................................

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Alguns Poemetos Sem Nome N° 161

Cansado de canções que passam, enrouqueço a minha voz, dia sim, outro também. Sentido-me como uma folha que cai sem aviso, sem adeus, de um amarelo que só pode mostrar um mudo desespero. Cale o mundo por um instante, esse será meu luto, nada mais. Os passarinhos, principalmente, fiquem de bico fechado. E se as ondas puderem, não façam barulho também. Cansado de estações que passam, enlouqueço minha mente, dia sim, outro também...


...............................................................................................................


Ela era tão linda... Com seu sorriso indefinido de muitas (poucas) luas que não voltarão jamais. Com seu enigma feito de perguntas simples como outro qualquer. Como se o amanhã fosse um espelho quebrado que não tem mais jeito algum de colar. Com suas singelas letras e determinantes algarismos que nunca mais mudarão. Olho solene e triste pedindo em desespero porque nada pode ser alterado. Ela era tão linda... Tenho que parar de ficar lendo epitáfios...


...............................................................................................................


O corpo dança, a alma ri. As asas nos levam para longe, barcos também levam. Fogueiras sobem com mãos de fumaça, quebram o meio da noite. Fiquemos alegres, mesmo quando existem motivos para tristeza. Até a solidão é uma forma de companhia. Desenhemos sóis pelo chão, afugentemos as chuvas. E não nos esqueçamos de outras mágicas pelas paredes, não importando a sua cor. Minha mãe lia tantas histórias para mim! E meu pai sabia algumas de cor... Eu repetirei minhas fantasias até que elas retornem, tão bonitas quanto já foram em um passado dia...


...............................................................................................................


Chicle de bola. Tutti-frutti, às vezes hortelã, uva para nossa alegria. Ou a caixinha comportada de surpresas comuns. Não um só, vários para compensar não saber fazer bolas. Quase ruminando. Sem sóis e sem chuvas necessários. Mascar no canto como os quase heróis e louras fatais. Um monte, quase clandestino, proibido até. Se engolir, morre, eis a lenda daqueles tempos. Guardar escondido num cantinho do congelador. Novas maravilhas de uma tecnologia. O tempo passou. Os chicles também...


..............................................................................................................


Faça de conta que o tempo não passou. Se esforce ao máximo para isso. Faça de conta que nada mudou. Que é apenas uma ilusão e tudo está na mesma. Faça de conta que antigos sonhos irão se realizar. Que não envelhecemos. Que a morte não está mais próxima. Que antigos rostos voltarão em breve. Faça de conta que antigos carnavais não terminaram.


..............................................................................................................


Ouço um silêncio que acaba me oprimindo. Um silêncio que só as máquinas podem dar. Oprimidos e opressores - quase a mesma coisa. O trem se atrasou e o barco não veio também, minhas viagens acabaram não acontecendo. Respiro um ar quase sujo que apenas me adoece. Todas as nossas alegrias agora são imitações baratas de umas outras tantas imitações. As cores saíram do meu rosto de clown e nem ao menos posso adentrar no picadeiro novamente...


..............................................................................................................


Nada contra os grandes seres, até me simpatizo com muitos deles. Mas prefiro os pequeninos, aqueles que fazem grandes viagens pelo que chamamos quase nada. Joaninhas com seu colorido caprichado, pois não? Vaga-lumes desafiando as estrelas, socorrendo as noites sem lâmpadas elétricas. Borboletas chegando como destaques de um carnaval que nem vimos. Abelhas fazendo piruetas entre flores. E formigas, essas parecendo alegres, mas apenas tristes, parecendo seres humanos, nós, principalmente quando estão em alheios funerais...

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Característica Característica


Mais do que essa história fantástica

Apenas mais uma mental ginástica

Nós num céu sem céu em bando

Então voaremos até quando?

A meninas fodendo em locais públicos

Mais que pena rasparam os pelos púbicos

Nem eu sei do que estou falando

Vamos respirar até quando?

Tudo está trancado numa caixa hermética

Faz muito tempo que se acabou a nossa ética

Enquanto andamos vamos chorando

Esse mundo é nosso até quando?

Minha necessidade maior é a gástrica

Fora isso minha alma anda tão apática

Todos os carneiros estão pastando

Essa peça continua até quando?

Essa questão pode ser apenas médica

Dada toda a sua importância enciclopédica

Alguma pane já está começando

Essa festa dura até quando?

Não podemos melhorar essa sua acústica

Enquanto toda audição for tão rústica

Nossa morte vai comemorando

Pode beber até quando?

Mais do que essa história estática

Apenas uma notícia bombástica

 Nós num céu sem céu em bando

Então voaremos até quando?...


(Extraído de "O Livro do Insólito e do Absurdo" de autoria de Carlinhos de Almeida).

terça-feira, 19 de abril de 2022

Seu Salvador e Os Pastéis de Dona Dora

Seu Salvador, tão tranquilo,

Na bicicleta pelas ruas,

Sua simpatia silenciosa,

Mesmo esfriando os pastéis eram gostosos,

Cheios de carne, 

Feitos pelas mãos mágicas de dona Dora.

A casa pequena nos fundos onde moramos

E papai deixou-me desmontar o despertador.

O velho bar do lado, 

De onde ele me tirava da cadeirinha da bicicleta

E me colocava sentado no balcão. 

Xaxaxa, pai, xaxaxa.

Lá no final da rua a antiga escola

Em frente ao mar, ao lado da igreja.

Dona Dora, tão apressada,

De tirar os elefantes de porcelana

Com suas correntinhas douradas

Quando eu aparecia por lá, 

O medo de que eu quebrasse tudo

Que ficava em sua penteadeira no quarto.

A parada de circo que eu desmaiei 

Bem na cadeirinha da bicicleta

Pois não aguentei o cheiro da bosta dos leões, 

Igual quando fomos ao na excursão ao zoológico.

Beco Zé Coqueiro ou José Coqueiro, sei lá.

Não há mais pastel, nem seu Salvador, nem dona Dora,

Acho que nem os elefantes nas correntinhas.

Mas o menino continua aqui por enquanto.

Xaxaxa, pai, xaxaxa...


(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Só Eu Sei De Alguns Enigmas


Nunca fui bom, ao contrário, só nas horas vagas,

Quando se é menino isso não conta

(Até a maldade é boa quando somos meninos)

Sempre sonhei com as muitas estrelas do céu,

Sonhar é um vício como outro qualquer,

Até pior porque nunca percebemos isso...

Não sou um demônio, sou bem pior,

Sou humano e seria capaz de matar

Para chorar logo em seguida pelo arrependimento

Que não tenho e que nunca vou ter,

Olhem para os livros de história 

E vão ver milhares de crimes semelhantes...

Tenho tido, de uns tempos pra cá,

Dúvidas de uma grande crueldade que me fere:

Amei realmente ou só me amei no outro?

Todos os meus desamores não puderam me matar

E acabaram sendo substituídos por outros

Alguns melhores e outros mais vulgares ainda...

Em todos os meus dias há pecados novos que inventei

Cada verso que acabo fazendo mostram um poeta

Alguém que na verdade eu nem sei se sou

A minha rudeza andou comigo em todas as ruas

E o meu silêncio era de um cão muito feroz

Que esperava impaciente morder o primeiro incauto...

Ainda não subi em nenhum patíbulo

Para deleite de uma multidão que subirá um dia

Eu não possuo calma ou paciência alguma

Apenas uso meus dons de um camaleão traiçoeiro

Esperando pelo inseto parado no galho,

Só eu sei de alguns enigmas e morrerei com eles...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 160

 

Vejo pássaros num céu sem nuvens

Em que um sol se explode em mil cores

Uma explosão feita de alegria

Enfeitada de muitos e muitos amores


Vejo declarações de paz assinadas

Em um mundo que se acabou a tristeza

Um novo mundo sem velhos erros

E sem aquela velha incerteza


Maldito relógio que despertou

e me acordou dessa utopia...


...............................................................................................................


Todo poeta é um louco

Mesmo se está disfarçado

Ele dá piruetas e faz caretas

Quando não é observado


Se o filmassem assim

Ficaria bem complicado

Com o seu psiquiatra

Já tinha encontro marcado


...............................................................................................................


Um estalo de dedos

Um flash explodindo

O repente chegou!

Aonde estiver não importa

Preciso escrever rápido!

A inspiração não avisa

E nem se demora...


...............................................................................................................


Moço, me dá um trocado?

Uma moedinha só já basta,

é mais do que o suficiente...

Não é para comprar bebida

e nem para comprar doce...

Poderia ser para comprar pão,

mas já me acostumei com a fome...

Poderia querer viajar por aí,

mas uma moeda só não dá...

Moço, me dá um trocado?

É para guardar a moedinha no bolso

e fingir que é um sonho que guardei...


...............................................................................................................


Transborda pela borda

nem eu mesmo sabia 

o que aconteceria

se não fossem uns versos vadios

por esses dias feios e frios

Nas praças não há pombos

só folhas e seus tombos

Um coro infantil fala sandices...


...............................................................................................................


Um coro de bobos

Na perfomance da moda

A nudez disfarçada

De almas mortas

Tudo se vende

Os brechós estão cheios

Os camelôs precisam comer

A máquina do mundo também

As engrenagens precisam 

Estar lubrificadas com sangue


...............................................................................................................


o que falta o que sobra

um mundo de acentuação trocada

figuras de linguagem erronêas

nossa idiotice contumaz

os tiros saindo pela culatra

os gatos entrando na tuba

e os siris em seu desespero na lata

o que acerta o que erra

uma sociedade de contra-sensos

onde quem é pior vale mais

caprichem nos seus desafinos

aí vem o politicamente abjeto

nunca ponha a mão no fogo

para não vir a virar churrasco


...............................................................................................................

domingo, 17 de abril de 2022

Farsa e Fuga

 

Farsa e fuga

quase nada

caminho cinza

de muitas fogueiras agora apagadas

Verdade dúbia

meio abismo

mar escuro

de águas que irão nos engolir

Besta e fera

sonhos malvados

pés machucados

com as pedras desse nosso caminho

Teatro real

acabou o festim

a munição verdadeira

essa que um dia vai nos assassinar

Relógio atrasado

tudo que perdi

correr do amor

é mais que um bicho nos devorando

Fugaz vaidade

rugas invadem

acabou a mocidade

pois afinal essa mesma nunca existiu

Farsa e fuga

quase nada

vamos disfarçando

e vamos correndo sempre por aí...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 159




Corda bamba

Isso dá samba

Todos amores que guardo

Mesmo se me acovardo

De nada falar

Só chorar...


Corda tensa

A tua presença

Me deixa a alma em pedaços

Sou mais um dos palhaços

Sem plateia

Me falta ideia...


...............................................................................................................


Cada um tenha seus ódios

Humanos é o que somos

Entre nossas lágrimas e sombras

Donos de acertos ou de erros

Cada espelho uma história

Uma careta feita de aflição

E de algum riso talvez

Eu sou a minha sentença

E o meu próprio castigo

Quem mandou sonhar?

Quem mandou amar o que não pode?

Nem todas as velas do mundo

Poderão iluminar meu caminho...


...............................................................................................................


Ceguei meus olhos para não mais ver a tristeza

Estourei meus tímpanos para não ouvir seus lamentos

Mas de nada adiantou...

Ela estava além de todas as escuridões possíveis

E seus gemidos eram das próprias batidas do coração...

Juntei todas as minhas lágrimas para afogar-me

Cortei meus pulsos para a fraqueza atirar-me ao chão

Mas de nada adiantou...

As lágrimas faziam parte do meu roteiro de ilusões

E o corpo era o de menos em relação com minha alma...

Decidi então continuar andando e andando

Até que meus pés não sentissem mais nada

E aí sim adiantou alguma coisa por menor que fosse...


...............................................................................................................


Meu demônio é solene e grave

Mais que de alguns malditos

Gosta de silêncios intermináveis

E medita sobre muitos enigmas

Cujas respostas são evidentes

Sua memória continua boa

Lembra de tantas velhas alegrias

Que o tempo matou impiedosamente

E de velhos carnavais de outrora

Que foram para não mais retornar

Meu demônio é soturno e malicioso

Mais que de alguns poetas

Chora meus versos até não poder mais...


...............................................................................................................


Não sei se era o sono

Ou a perspectiva de dias tristonhos

Se era o frio que fazia lá fora

Ou um carnaval sacrificado aqui dentro

Não sei se era eu mesmo

Ou se outro de mim mais desesperado

Não com a morte pois é certeza

Mas com a vida que é desagrado

E apenas isso nos basta...


...............................................................................................................


Tudo é um desperdício...

Chorar só cansa os olhos

enquanto a tristeza ri da nossa cara...

Desesperar é uma representação

Para que a plateia malvada aplauda...

Lutar por uma causa

Já que o ser humano não mudará...

Se apegar aos sonhos

Pois todos eles estão fadados à morrer...

Querer todas as fantasias

Todas elas envelhecem e rasgam...

Esperar algo dessa vida

Se apenas nos falam de outra sem mostrar...


...............................................................................................................


O jovem poeta faz seus versos

e mesmo nos escombros da tristeza

ainda sobrevive alguma esperança...

Para o velho poeta isso não há mais

é como uma música de improviso

que ao acabar veio o esquecimento...


...............................................................................................................

Come Na Cuia

Comê na cuia Comê na tuia Comê na nuia Experimente o berimbau catreiro Em todas as noites de pé de sapo! Paca tatu Paca tutu Paca Dudu Apert...