Enjaulados em nós mesmos, cada dia uma nova parede, cada dia um novo prédio, um novo muro e uma nova prisão. Semelhantes à um grande aglomerado de lápides onde estão sepultados nossos mortos sonhos.
Fadados à uma sina mais que bruta, estamos no caminho dos carros, dos rolos compressores que alisam o asfalto, tal qual a vegetação seca no caminho do estouro da furiosa manada de elefantes.
É uma selva, é uma selva! Onde os mínimos sons representam máximos perigos, onde todos os cantos estão ocupados, todos os becos são lares e representações diárias de humanos marionetes são encenadas para um apático público.
Grande desconhecido este, nas telas das vitrines, nas placas de contramão, nas intermináveis liquidações, fictícias promoções, tudo é um filme, montemos a cena, leia o seu script, represente direitinho, faça o seu papel.
Novas modas antigas, as sensações desta estação, os modelos para satisfazer nossas almas e conduzi-las lentamente, como um veneno homeopático para um Além que não existe e que se situa lá embaixo.
Apatia, covardia, solidão, deixamos que tudo aconteça, mesmo analfabetos, assinamos em baixo, somos os grandes culpados de não ter culpa alguma e comemos o pouco sono que ainda nos resta para viciados corpos.
Eis aqui a nova religião! Sem Deus, sem alma, sem sentido e sem sensatez sequer. Despida de qualquer simplicidade benéfica, cheia de rituais complicados, em que as preces são palavras chulas, faladas com charme e uma certa inocência.
Esses são seus templos! Chaminés para o alto soltando seu negro incenso, máquinas-altares com seus indecifráveis mantras, destruição de tudo que está a sua volta, aos poucos da forma mais rápida possível.
E o impossível possivelmente acontece. Retrocedemos no tempo e as fogueiras da Inquisição estão reacesas. Abaixo o que é diferente! A outra cor, a outra raça, o outro crer, o outro ter, o outro ser, o outro querer, nunca o outro.
Salve nossa ignorância! A nossa falta de pensar, o nosso pensamento obsoleto e drogado com os combos dos fins-de-semana jogados fora. Aliás, tudo jogado fora em dias pré-determinados. Livros não, sabedoria nunca, compaixão jamais.
Violência banalizada, absurdos costumeiros, rotina de se afogar em seu próprio sangue, a solidão acompanhada de muitos, a gare está cheia e não existe mais ninguém, silêncio ensurdecedor entre ruídos de milhões de decibéis.
Perdemos a básica noção do que é vida e morte, estamos mortos por antecipação, já compramos o ingresso para o show, já vimos o viral, já descobrimos que nada restou, as pedras são mais sensíveis do que nós, os espinhos mais amáveis, existem cães raivosos mais cordiais, não conhecemos mais ninguém, nem nós mesmos.
Sinto o adorável aroma do lixo como todo e qualquer bom e respeitável cidadão do mundo...
(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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