Mesmo quando meu pulmão, respira, meu coração bate, meu cérebro funciona e todas as minhas necessidades básicas continuam as mesmas. Tudo é igual e tudo é diferente...
O morto sou eu...
Enclausurado na cela que eu mesmo construí, que caia o mundo lá fora. Há sol? Chove agora? Ou choverá? Que dia é hoje? Que se dane todo e qualquer calendário...
O morto sou eu...
Sem ataúde, sem endereço permanente em alguma necrópole, sem epitáfio, coroa de flores, discurso de praxe, sem audiência hipócrita (ele era tão bom...)...
O morto sou eu...
Nada deixo, nada levo, apenas alguns planos que não deram certos, amores que foram malvados, paixões que causaram desespero, o ridículo que um dia brincou comigo...
O morto sou eu...
Olhando um mundo que desaba, uma sociedade putrefata, seres humanos que não são humanos, apatia cruel, indiferença mesquinha, uma vida de cachorro...
O morto sou eu...
Meus olhos enxergam tanta cegueira, meus ouvidos confundem os sons da beleza e da tolice, minha mente tenta decifrar enigmas mais evidentes de respostas sem perguntas. Nada mais vale a pena...
O morto seu...
Nada mais quero, nada mais espero, os sonhos caíram das nuvens e se espatifaram. A inocência do menino que eu era transformou-me em um bicho perigoso, um demônio debochado que ri das coisas que vê...
O morto sou eu...
Sem gosto, sem preferência, sem medo. Dia e noites são iguais, vida e morte agora brincam de roda, amor e ódio acabaram namorando. O nada e o tudo acabaram se resumindo na mesma coisa...
O morto sou eu...
Esquecido ou lembrado, não importa. Se meus versos eram bons, se faziam alguém chorar ou se nada diziam. Se são ou eram apenas gemidos de um velho bobo, agora é tarde, muito tarde...
O morto sou eu...
Fiquem com tudo, as roupas velhas façam pano de chão ou deem para algum mendigo que passe na rua, as minhas lembranças mais caras joguem fora, as minhas anotações o lixeiro pode levar...
O morto sou eu...
Não tenho ânsia de algum céu, medo de algum inferno ou se depois daqui não há mais nada. Vivi o suficiente como qualquer um, não prestei nem fui ruim, fui humano, humano com erros e acertos, pequenas vitórias e grandes burradas...
O morto sou eu...
Não chegue muito perto. Quase sempre o cheiro da morte incomoda...
(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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