A tristeza vem me visitar todos os dias...
Que mal educada ela é!
Entra sem ao menos bater na porta,
Faz barulho e me acorda
Do meu pobre dormir que à custo consegui...
Não me cumprimenta, não dá um sorriso,
Já vem dando notícias ruins,
Me faz as mesmas exigências de sempre...
Que tenho de sorrir bem menos,
Compreender e perdoar sem tanta frequência,
Que não tenho de ser solidário com os outros...
Quando tento disfarçar que ainda durmo,
Sacode meu pobre corpo na cama,
Fazendo me lembrar de antigas dores...
Abra os olhos, seu idiota! Eu sei que você finge...
Escute-me, não adianta querer fugir de mim!
Eu o acompanharei o tempo todo,
Conheço os caminhos que você percorre,
Sei o nome das ruas por onde você anda,
Já lhe conheço há muito e muito tempo...
Lembras de suas primeiras dores?
Eu estava lá, bem perto, vendo tudo
E as suas primeiras lágrimas foram minhas...
E não foi só isso, todas as lágrimas
Que foram derramadas pelos injustiçados,
Pelos desesperados, pelos massacrados também...
E vi o fim de tantos sonhos nas sarjetas...
Vi a angústia, a aflição, a fome e a guerra...
E fui muitas vezes companheira da morte - disse-me.
Mas mesmo, eu resisti a tal assédio.
Abri os olhos e lhe disse:
Tem toda razão, tristeza, nada que falou é mentira.
Você só esqueceu de um detalhe:
Nos dias que me afligiu, que me torturou,
Foram os dias que mais andei pelo caminho,
Meus pés sangraram e mesmo assim continuei,
Sem querer você foi a inspiração
Que faltava para meus melhores versos,
Mais alto cantei velhas canções para lhe espantar,
Pouco me importando que alguém escutasse ou não...
Nos dias que estava mais fraco me senti mais forte,
Em meio ao frio apressei os passos
Para ir ao encontro de amigas e gentis fogueiras...
Aprendi e aprendo com você sábias lições:
Que desistir é bem pior do que se aniquilar;
Que quero ser lembrado não pelo bem que fiz,
Mas pelo mal que acabei deixando de fazer,
Que ser bom e ser simples e ter compaixão
É ter sabedoria sem ter esforço algum de tê-la.
Não me assusto mais se todas as manhãs
Você entra sem qualquer pudor em meu quarto,
As manhãs foram feitas para serem vividas
Assim como as noites sombrias para o esquecimento.
Se quiser, fique à vontade, eu não ligo,
Deve ter ainda café na garrafa, se eu não tomei todo...
Mas me deixe, não me acorde,
O sono é ainda companheiro dos sonhos
E quase tão forte como seu irmão - a morte...
Virei o rosto para a parede e ajeitei o travesseiro,
Enquanto escutava seus passos agora mais suaves,
O barulho da porta se abrindo devagarinho
E quase tenho certeza que em seu pálido rosto
Havia talvez um esboço de sorriso
Porque ela descobriu que me amava...
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