domingo, 23 de julho de 2023

Letícia, Delícia

Teus olhos eram puxadamente provocantes. Num tempo que não existe mais. Eram um olhos que não eram azuis. Disso me lembro. E os lábios eram como que pintados mesmo sem batom. E os cabelos quase que de um louro sem cores definidas. Delícia daquelas saias azuis exageradamente longas que davam mais tesão.
Eram olheiras. Só olheiras exageradas de pura sacanagem. Pelo menos era o que achava. E era o que eu queria também. O cabelo curto de alguns cachos. E uma altura maior que a minha. O antigo auto rodava. E a tua subida nos degraus me dava tanto tesão. Um dia você passou mal e eu senti todas as dores do mundo. Só me lembro disso, não mais.
Irritava tua voz. Era uma voz meio que debochada. E aqueles que cachos que não existiam me divertiam. Eram coisas que se falavam em boca pequena. Eram o pecado da época e que eu achava tão bom. Teu nome eu recitei tantas vezes nas páginas da velha revista.
Foi o tempo que passou e passou. E a tua figura sumiu da minha frente...
Onde andará aquela menina? Tinha pena de mim algumas vezes, conversava com alguém que não davam atenção, não tinha a mesma maldade dos outros. Não perseguia, não zombava da minha cara idiota, dos olhos tortos sem conserto, da roupa malfeita de propósito, da pobreza meio que escondida. Não oprimia mais do que eu já era...
Onde andará aquela menina? Se seguiu o curso natural da vida (feito os rios para o mar) deve ter envelhecido. Se a morte não veio lhe visitar (como fez com alguns de nós), deve ser mãe, tia, avó. Deve ter conhecido algumas rotinas que enjoam, mas que queremos. Deve ter perdido o riso franco e aqueles cachos (ah, os cachos!). Não lembrará nem de mim e nem que ainda me lembro dela...
Letícia, delícia, alguém falou isso, se a memória não falha mais do que já o faz. Durma na noite dos tempos. Posso lhe dar um beijo???

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