Enquanto a avenida é tão grande
Não me importo mais com o frio
Ele já não é mais tão como antes
Minhas carnes já estão congeladas
E o gelo já se tornou algo tão macio
Enquanto sonho com todas palavras
Chegarão as feras para o almoço
E então não existirá nem tarde demais
A piada acabou perdendo sua graça
E o uísque no copo é apenas inocência
Num sono quase que assim tipo profundo
O bêbado dorme atravessado na cama
E o dia vai invadindo toda intimidade
E as coisas esperam com calma ansiedade
Saírem da geladeira para serem devoradas
Num retorno ao que sempre ainda não foi
Todas as Marinas com sua inocência profana
São fantasmas de um tempo que só eu trago
Como se um nome bastasse para as pedras
E a minha memória é apenas mais uma lápide
Onde pousam corvos pouco menos literários
A testa sua enquanto o meu transe acontece
E incorporarei o meu então meu próprio espírito
Num animismo isso que só o desespero traz
Facas são dragões que passeiam pelas nuvens
Enquanto as chuvas hesitam em não cair agora
Alguns automóveis cumprem o solene atrito
Enquanto milhares de baganas vão para o chão
O velho triste faz poses patéticas na fotografia
Enquanto relógios digitais estão em caminhada
E a poesia faz ouvidos de mercador para as tolices
Invasoras das redes sociais diques arrebentados
A puta velha com peruca de plástico laranja
Agora só um espectro do que um dia então já foi
Canta marchinhas de carnaval em polonês
Enquanto não é servido um outro café da manhã
Eu trago em mim todos os absurdos do mundo
Enquanto tenho no bolso estrelas saltimbancas
Os velhos tamancos ainda fazem seu barulho
E meus pés continuam com os mesmos calos
Uma banda de jazz tocará no meu funeral
Enquanto lágrimas de praxe serão vertidas
Falando do amor que nunca tive sendo vivo
E o meu tempo acabou de esgotar para sempre
O sinal tocou e não há mais a hora do recreio
Nem tão pouco a hora da saída tão esperada
Ninguém me esperará para me levar de carro
Afinal de contas as férias não terão fim...
(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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