sábado, 9 de março de 2013

Teoria dos Sonhos


Anualmente são perdidos sonhos em uma proporção inimaginável. Sua natureza pouco importa. Desde supostos ganhadores do prêmio Nobel a os que almejaram condições mínimas de sobrevivência básica. Desde artistas anônimos que sonharam em serem superstars até guerrilheiros que queriam detonar o mundo. Sonham os banqueiros de Wall Street sobre a falência de seus rivais de negócios e os meninos da faixa de Gaza pelo fim do medo. Também sonham as garotas que rodam bolsinha em Copacabana em arranjar um gringo para casarem e as levarem para o estrangeiro e sonham as mães pedindo que seus filhos sejam alguém na vida. A roupa de marca e o sapato velho sentam-se juntos. O adolescente nerd e virgem tem poluções noturnas sonhando com a sua paixão de escola e o curumim com a volta de seu povo para a reserva indígena tomada por grileiros. O mago e o mágico são muito parecidos quando sonham. O padre e o pai-de-santo pensam em ter coisas semelhantes. A notícia de indícios de um novo tempo causa tanto frisson quanto a cura de uma gripe. O tiro que não matou causa tanta alegria quanto à visita à maternidade. Sonha com o exame negativo o desprevenido enquanto solta suspiros o poeta medíocre atrás de versos menos aleijados. O ofendido um dia quer dar o troco e o missionário quer virar um mártir da causa. Se sonha o bom esperando o ruim. Se sabe do ruim querendo que o inédito aconteça. No alto dos prédios corações gemem e pelas calçadas de mãos estendidas também. A rede cheia de peixes vale o mesmo que o iate na marina. A foto para a rede social e o novo quadro do pintor cubista recém descoberto são iguais. Uma hora na lan house e uma viagem ao espaço têm o mesmo tempo. A beleza quer aparecer em todos os espelhos. O lixo reciclado salva o planeta e a hora extra espanta a insônia. Nada é tão igual como são os homens e suas coisas e tudo se reflete em sua volta. Rosas querendo se livrar dos espinhos se tornando margaridas e dias tristes querendo se tornar noites alegres. Carnavais desesperados por novos tons e cerimônias saudosas do riso frouxo. As tempestades tentam desviar sua rota e brisas calmas convidam ao suicídio. Tudo sonha. E os sonhos não podem ser destruídos por ninguém ou nada. Vão embora quando querem e muitas vezes lhes falta o querer. Os sonhos quase nunca querem ser nada e apenas ser. Existiram desde sempre e sempre existirão. O existir é sua única condição. Nada exigem a não ser serem satisfeitos ou não. Se forem satisfeitos se transformam em outros para continuarem seu trabalho. Se não satisfeitos continua sua cobrança silenciosa e atormentadora. Não adianta tomar nenhuma providência para deles se proteger. Eles são imunes à nossas defesas. Nada os faz morrer. Se parecem que morrem é apenas um disfarce. Os sonhos podem parecer outros. E quando acontece isso eles devem ser satisfeitos duplamente. Os sonhos se compreendem uns aos outros. Complementam uns aos outros. Ajudam uns aos outros mesmo quando são opostos. Todos sonham. Mesmo quando não sabem disso. O que quer a vida e o que quer a morte. O que sonha com a paz e o que sonha com a violência. Coisas boas ou ruins causam sonhos. E até enganos também. Até o não-sonho é uma espécie de sonho. Não querer sonhar e não sofrer por causa disso na verdade é um sonho disfarçado em realidade. A realidade por achar que existe sempre tem sonhos e não percebe isso mesmo se alguém a tenta convencer. Porque a verdade é que é ilusória. A existência é um sonho assim como a vida imita a arte. Sonhar então é tudo que nos resta...

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