sexta-feira, 11 de março de 2022

Um Certo Sentido

Minha mente é um grande depósito, lá está tudo que tenho, mas também tudo o que perdi. As lágrimas que chorei tornaram-se figuras desenhadas num grande caderno. A poeira é muita e minha habilidade em procurar as coisas nunca foi muito boa mesmo.

Como tem coisas quebradas! Não importa, pelo menos, agora não. Também minha alma anda em cacos e nem por isso a joguei fora...

Meu peito é feito de escombros variados, como uma cidade que foi bombardeada noite passada. Todos os meus amores feridos agonizam sob as ruínas, sabem muito bem que não haverá socorro. Todo amor acaba morrendo, mas suas cicatrizes permanecem sempre.

Quantos amores eu amei? Não faço ideia, isso pode ser um grande alívio. A loucura me atingiria com centenas de tiros se tivesse alguma noção...

Meus olhos entortaram com as chamas, num tempo que até a obscuridade se fazia presente. Eis o motivo de uma crueldade que tentava ter a lógica que nunca teve. Não adianta esconderem sob disfarces uma maldade tida antes. Aquilo que foi sempre o será, assim está escrito.

Eu não tive culpa alguma! Não escolhi selva alguma, quando vi já estava dentro dela, as feras é que deveriam se preocupar em não serem devoradas pelo meu deboche...

Meus pés são teimosos ao extremo, não posso negar tal fato, se agora fraquejam, não procurei por essa consequência, pelo menos não diretamente. Tudo acontece no repente que vem e nada pode agradar todos ao tempo todo.

Onde andarão muitos que se foram? Juro que soubesse tentaria um modo de revê-los, saber como tudo aconteceu em suas vidas...

Minha boca está agora meio fechada, a distância real e a não-real agora se degladiam por uma razão que não possuem. Eu gostaria de gritar mais um pouco com foi antes, mas faltam-me forças e preciso manter esse silêncio como quem vela seu próprio cadáver.

Eu nem sei se estou vivo! Talvez faça apenas parte de um pesadelo, o pesadelo de um menino que dorme profundamente depois de um dia tão triste...


(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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