Eu quero ser todo mundo, exatamente isso, sem mais, nem menos. Conter em mim todas as coisas, todos os seres, todos os fatos, todos os gestos, quase como Deus.
Abrigar em meu peito todas as estrelas de uma vez. Vejam que bonito quando abro a camisa e posso vê-las todas lá dentro, cabendo em meu coração.
Ter todas as nuvens em volta de minha cabeça. É tão legal usá-las como um menino usa um papel para fazer desenhos tão bonitos de ser ver.
Os amores de uma vez como as gotas d'água numa grande temporal. As paixões são os relâmpagos, os desatinos em consequências delas em forma de raios e a ternura o cheiro de terra que acabou de subir para o ar.
Eu quero ser todo mundo, nada mais que isso, simplesmente isso. Conter em mim todo o tempo, os dias como fileiras de bravos soldados marchando para a batalha.
O choro de todas as crianças ao nascer e o último suspiro de todos os que partiram. Alguns sonhos com finais felizes e outros muitos com a tristeza ditando suas regras.
Ter comigo todas as heranças, todas as moedas, as que foram bênçãos e as que foram maldições, pouco importa. Ser de uma vez só o estonteante brilho de todos os metais.
Eu quero ser todo mundo, toda lógica e toda a loucura, tudo em sua totalidade. As pérolas jogadas aos porcos e as palavras que correram no vento até atingir o seu derradeiro alvo.
As palavras gravadas nas pedras e as escritas na areia, tudo o que passa e o que fica, cores em imortalizadas pinturas e folhas que amarelaram mortas por um indiferente chão, numa só vez.
Ter todos os amigos do mundo e ser o mais solitário dos mortais, cidadão de grandes cidades do mundo e bicho arredio do fundo da mais profunda das cavernas na selva mais espessa e escura.
Eu quero ser todo mundo, todas as regras e todas as exceções, tudo o que sempre houve e aquilo que nunca existiu. Os segredos que foram guardados à sete chaves em seguros cofres e os boatos que correram em todas as bocas.
Os juízes batem seus martelos, os bandoleiros percorrem as estradas, os nobres em seus palácios, os ciganos à percorrer todas as terras. Quero ser a brida mansa dos dias tranquilos, mas também as tempestades noturnas em alto-mar.
Ter que esperar a carta que não chega, ter a impaciência dos apaixonados, contar velhas histórias que sempre agradam e espalhar novidades que escandalizam os mais delicados.
Eu quero ser todo mundo, o tempo inteiro, o tempo todo, sem um segundo sequer desperdiçado, tudo que se nota e tudo o que desaparece num simples estalar de dedos. Tudo, tudo, tudo...
(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram! de autoria de Carlinhos de Almeida).
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