Oi, eu sou o medo,
venho lhe visitar hoje
como faço todos os dias
quando você acorda para o mundo,
entro no seu peito,
na sua mente,
na sua alma,
para que todos eles
sejam cheios de preocupações,
para que seus passos sejam incertos,
para que você enxergue escuridão
mesmo estando sob o sol...
Oi, eu sou o medo,
chego perto do seu ouvido
para lhe dar notícias preocupantes
sobre como vão todas as coisas,
lhe colocar à par
de como tudo vai tão mal,
como a violência cresce,
como a indiferença impera,
como as pessoas estão
cada vez mais malvadas
e cada vez mais funciona a regra:
ninguém é de ninguém...
Oi, eu sou o medo,
o mais exímio dos dançarinos,
sei dançar no aço dos punhais,
viajo na velocidade das balas,
canto no barulho dos pneus derrapando,
me avermelho nos olhos do assassino
e na respiração ofegante da vítima,
sou a fome que se aproxima,
as bombas que rasgam os céus,
a distância entre a dúvida e a certeza,
o falso carinho que fere
e que pode até lhe matar...
Oi, eu sou o medo,
o velho relógio não pára nunca,
as rugas são invasoras terríveis,
o espelho está ficando embaçado,
a vida escorre pelas paredes
e os muros vão caindo,
a segurança que temos é insegura,
até a nossa fé vai indo embora
ao sabor de rudes ventos,
é impossível seguir os que amamos
porque cada caminhada existe
por si só em sua solidão...
Oi, eu sou o medo,
mesmo quando você diz calmamente
que eu nunca fui nem serei seu,
você está contando uma mentira piedosa,
na verdade, eu nunca vim encontrá-lo,
nosso encontro foi permanente,
a culpa não é sua nem é minha
se somos dessa forma e não outra,
forma e essência andam juntas,
só existe um meio de escapar
de minha presença tão incômoda:
encara com toda a serenidade vida e morte...
Oi, eu sou o medo...
(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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