quinta-feira, 18 de julho de 2019

Eu Até Que Poderia

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Poderia mentir para mim mesmo,somos marionetes aí, achar que tudo pode ser muito engraçado, sobretudo as tragédias que povoam os destinos e acabam seguindo seu rumo comum, mas nunca normal...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia me preocupar com a simples aparência, achar o pano mais importante que a carne. formar frases sem sentido com palavras bonitas, ir comendo as cores ao invés de sabores até que estivesse todo impregnado do meu veneno...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia virar a cara, fingindo que não vi nada de errado, que a desgraça alheia inexiste, ou pelo menos não é culpa minha, mas todo canalha que senta no trono fui eu mesmo que assim o deixei quando a minha omissão é meu maior crime...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia colocar num saco de lixo ou mesmo numa sacola de supermercado as perguntas desagradáveis que me atormentam e acabo não encontrando resposta alguma, independente do Deus que eu finjo crer e que serve de muleta para minhas fraquezas...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia ensaiar a pose mais adequada, fazer caras e bocas na frente das mais inocentes câmeras, como uma sofrível imitação barata de um Narciso antiquado que tenta ser moderno como um peixe que quer sobreviver na areia...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia sair correndo e tentando escapar de uma morte que não precisará me alcançar, eu a carrego dentro de mim desde a primeira respiração, não é uma contagem progressiva esta que mantemos em nós, é apenas regressiva...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia alegar a sanidade que não possuo, fruto da mesma humanidade que sai atingindo tudo o que encontra, feito um vento malvado que arranca as folhas sem estarem mortas e mata as flores antes mesmo de abrirem...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia falar das dificuldades porque passo, das dores que sinto, apenas para mostrar que as frases que povoam as nossas ilusões são colocadas em prática, mas não somos civilizados como pensamos, somos apenas canibais com uma nova fantasia...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia tentar sumir por aí, me disfarçar no meio de um rebanho desses, mas todas essas tentativas falham, mais cedo ou mais tarde todas as ovelhas serão abatidas para um banquete onde só existem servidores e nunca servidos...
Sim, sim, eu até que poderia...
Poderia até não poder mais, mas é que os versos continuam implacavelmente...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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