terça-feira, 2 de julho de 2019

É Que Eu Ainda Estou Sendo Delicado

Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Nossa natureza não nos permite outras façanhas que não estas. Os quatro elementos caem na porrada e não se sabe mais quem é quem. Confusão é com fusão, basta. Sente aí, aperte o controle remoto que te controla remotamente e escute as mentiras...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Estamos sendo cegos, mesmo quando vemos. Isso faz parte do grande plano, a imensa máquina, a grande moenda no engenho do mundo. Fechar nossos olhos é inútil, disfarçar e olhar para a parede é apenas um artifício vão. O desnecessário vem, se apresenta e pede passagem...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Quanto mais temos, mais carentes somos. Há comida suficiente para todas as bocas, mas nunca tivemos tantas vazias. Excesso de panos para corpos nus. Nunca falamos tanto de amor para tantos corações despedaçados e nunca Deus foi tão citados enquanto o diabo recebe todas as palmas da plateia...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Nunca o politicamente correto foi tão correto, mas desobedecemos tudo ao nosso jeito; leis boas, para cruéis cidadãos; tantos mártires para tão poucos sacrifícios. Muitas máscaras, muitos tapetes, muitos armários, liquidações à vista...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Somos tão primitivos com tanta tecnologia, apontamos para um alvo e acertamos o outro, tudo é tão simples, viramos números, números para estatísticas, números para as indústrias, números para um consumismo burguês e desvairado...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Carnaval o ano todo, luto para todos os dias, é tudo o que temos. Como tolos aprimorados, não existe mais saudades; robôs é o que somos, sem passado, sem presente, nem futuro. Conseguimos o inconseguível, realizamos o irrealizável, somos o que somos e não o somos...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Direita para lá, esquerda para cá, centro no meio. Tudo de acordo com sua mitologia barata e sua memória tão curta. Existem tantos gatos, mas nenhum deles nos ensina seu pulo; tantos filósofos para explicar-nos coisa alguma. Falamos tão bem e entendemos tão mal; abreviamos nossas palavras e aumentamos nossa agonia; mostramos o corpo e escondemos a nossa alma...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Inventamos novas cores e somente enxergamos em preto-e-branco; a dor do próximo é o novo enigma sem Quimera alguma, o risco acabou; a indiferença é a nova palavra de ordem. Vamos sobreviver para dar um encontrão com a morte, desprezar a vida importa mais...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Antes de me perguntar quem sou, pergunte a si mesmo: Quem você é? Não olhe direto para o espelho, espelhos costumam dar sustos, é a vaidade funcionando às avessas, nunca foi tão ruim contar rugas como hoje, é melhor fazer a sua contagem viral...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Desde Ford que nossas emoções acabaram e desde de outros gigantes que nunca fomos tão pequenos. O obsoleto é a nossa necessidade mais básica, a compulsividade já pulsa em nossas veias como um novo tipo de glóbulo sanguíneo recém-descoberto. Nossas defesas se acabaram e até a revolta faz parte da mesma ciranda de sempre...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado...
Continuemos então desejando o que não poderemos alcançar, versos perfeitos e gestos sinceros, loucuras santas e silêncios que gritam bem mais. Não nos arrependamos do que fizemos, mas do que deixamos de fazer. Eu risquei a palavra remorso do meu vocabulário...
Nada está ruim... Mentira! É que eu ainda estou sendo delicado... Nunca esteve tão mal...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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