quarta-feira, 10 de julho de 2019

À Brinca ou Suprema Arte do Tempo

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Suprema arte de passar o tempo...
Mesmo que aquela agonia estonteante nos torture aos poucos, como toda tortura deve ser, cruel e tranquila e mesmo assim, a aceitemos, como parte de nós mesmos, pedaço de nossas carnes que acabou se estragando no contexto absoluto do inevitável...
Suprema arte de perder tempo...
Eu não consegui a perfeita combinação dos meus versos, minhas rimas acabaram ficando com febris delírios totalmente inexplicáveis e assim a montaria de pata machucada continuou caminhando e mancando por um caminho escuro que nem ela mesma conhecia...
Suprema arte de estragar o tempo...
Desacredito em garrafas flutuando pelos mares com suas cartas, as cartas precisam de bem mais, é necessário que o destinatário exista, que os fatos sejam narrados e os gestos, por mais obscenos que sejam, causem alguns aplausos pela plateia meio que distraída...
Suprema arte de perder tempo...
Algumas fórmulas antigas ainda continuam funcionando, mesmo que as receitas já estejam meio apagadas, olhos cansados é o que temos, mãos trêmulas são os únicos ajudantes que compadeceram de nosso sofrimento e mesmo assim vez em quando...
Suprema arte de matar o tempo...
Suspiros ensaiados passam desapercebidos em solitários becos e nem o lixo acaba nos incomodando novamente e nem mais aquelas declarações bombásticas que um dia convenceram aos inocentes sobre a necessidade básica de navegar...
Suprema arte de prender o tempo...
Eis a grande variedade de tolos que estão nos catálogos, podemos comprá-los com simples artimanhas articuladas, o veneno está contido em pequenos frascos, ao nosso alcance, mesmo se desconhecemos que os envenenados somos nós mesmos...
Suprema arte de ganhar tempo...
Como minúsculos ácaros sob poeirentos tapetes, velhas mobílias cobertas de humano desprezo, cortinas rasgadas pelas felinas unhas do acaso, aguardamos uma morte que apenas virá quando encenar a sua obviedade mais gritante possível...
Suprema arte de matar o tempo...
Façamos os prodígios mais aberrantes, mostremos o quanto nossa mesquinhez funciona e como tinham razão do resto do universo em dedicar seu desprezo para nossos pedidos de socorro, fora as raras exceções, nada mais poderá embarcar e os naufrágios capricham em seus francos atos...
Suprema arte de degustar o tempo...
Conta-gotas são devidamente necessários, em todas marchas e em todos os lugares, aos poucos percebemos, tarde ou não, o quão decepcionante foram nossas concepções e nossas conclusões o foram mais ainda, impossível negar...
Suprema arte de esperar o tempo...
Vamos nos vestir de luto e chorar publicamente todas as nossas perdas e nossos danos, aqueles que procuramos e os que nos acharam por acaso, tudo que não merece ser comemorado, mas impossível de ser um dia destes esquecido, varrido para longe por algum bom vento...
Suprema arte de disfarçar o tempo...
Façamos tudo para parecermos o que não mais somos, num gesto extremo de quase exaustão nos atiremos de cabeça em derradeiros esforços para salvarmos o que já foi perdido, os aviões sobrevoaram as nossas cidades e já jogaram suas bombas e tudo já explodiu...
Suprema arte de agarrar o tempo...
Comparo minha loucura à minha amante, minha morbidez passa há muito de seguros limites, a sordidez acaba ganhando ares de inocente burguesia barata e de fácil e digesto consumo, quanto mais me sinto aflito, acabo gostando disto por demais...
Suprema arte de enganar o tempo...
Somos sempre muitas perguntas em uma longa lista sem qualquer vestígio aparente de sensatas respostas, não nos foi dada a oportunidade de apresentar defesa alguma, é bem verdade que somos a maioria das vezes culpados de felizes ou infelizes deslises...
Suprema arte de ser seu próprio tempo...
Estar consciente de que tudo morre, tudo acaba, até o tempo...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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