domingo, 20 de julho de 2025

Carliniana XCII ( Múltiplos Abismos Aí Estão )

A cega sendo conduzida pelo filho louco.

O orgasmo da puta que não soube se conter.

Os vassalos do tédio mascando chicles usados.

O cara desesperado porque o suicídio falhou.


Existem tantos abismos por aí...


O divã do psicanalista no quarto de motel barato.

A discussão filosófica de bebuns num boteco sujo.

A alegria incontida de um prato de arroz e feijão.

Fragmentos de tabaco no quarto do velho abandonado.


Existem tantos abismos por aí...


A nova novidade fadada ao próximo esquecimento.

A escuridão voluntária de olhos que não cegaram.

O prazer decorrente da próxima desgraça alheia.

O casal de psicopatas dançando tango nos escombros.


Existem tantos abismos por aí...


Os nomes bonitos que são indícios de mais miséria.

O passeio dos ratos sobre as prateleiras do mercado.

Uma sinfonia de moscas em cima do cachorro morto.

A descoberta científica da mais iminente tragédia.


Existem tantos abismos por aí...


O pano sujo que serviu de máscara na pandemia.

A gargalhada nefasta do bate-bola no carnaval.

O idiota que tatuou uma suástica em seu pescoço.

A modelo desfilando descalça nos cacos de vidro.


Existem tantos abismos por aí...


As maldades cínicas camufladas como fofocas.

A rotina às avessas dos pacientes hospitalizados.

O total abandono de quem ficou sozinho por aqui.

O influencer que ficou famoso por não fazer nada.


Existem tantos abismos por aí...


A coleta de lixo realizada com as mãos nuas.

O gago feliz fazendo mais um discurso na praça.

Um cigarro atrás do outro chamando a morte.

A alegria que foi confiscada ainda anteontem.


Existem tantos abismos por aí...


Um gole de vinho para as manhãs depauperadas.

Gastamos o nosso latim com superficialidades. 

Livros de autoajuda para quem não quer ajuda.

Estamos comendo forçado aquilo que só temos asco.


Existem tantos abismos por aí... Tem sim...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pinturas ao Deus-Dará

Num jardim de flores sem perfume Encontrei a transparência de espinhos amistosos... A bandeja de Salomé tinha a minha cabeça... Era a favela...