Quem sou eu, meu caro amigo? Não sou nenhum filósofo e nem ao menos consegui compreender o verdadeiro sentido da vida em todos esses anos de estrada, mas andei e andei muito.
Por esse motivo, não por outro, eis aqui as minhas mãos calejadas dos gestos mais rudes e ao mesmo tempo ternos, as mãos que posso te mostrar. Também posso te mostrar esses pés cheios de poeira, acostumados com o caminho, um caminho malvado com quem caminha, mas necessário o bastante para que caminhemos até a mais completa exaustão.
Eis aqui os meus olhos, quase cegos, enxergando à pouca distância, mas teimosos o bastante para ver as cores do dia, cores tão iguais, mas que ainda assim enchem a alma de alguma coisa para que vazia não fique.
Minha boca pode não conter o mesmo riso de antes, as muitas palavras de esperança que um dia proferi, mas ainda continua a mesma, falando sobre as velhas mentiras que andam por aí e que são como nova lenha para a fogueira da minha sã rebeldia. Não posso consertar o mundo, não posso acordar todos dessa letargia, desse engano, mas mesmo assim devo tentar.
Eu ainda faço como o fotógrafo que guarda as cenas para uma imortalidade qualquer, barata ou não. Percorro labirintos mais escuros e perigosos dos que o de Creta, o meu grande devorador sou eu mesmo. Eu sou o jardineiro que vê o nascimento e a morte de todas as minhas flores e tento entender porque vida e morte são igualmente cruéis, mas exatamente necessárias.
Quem sou eu, meu caro amigo? Não descobri a pedra filosofal, nem os versos perfeitos, nem o maior amor do mundo, mas aqui estou. Teimando em cuidar dos meus versos, mais do que filhos, para que um dia eles consigam montar nas costas dos ventos e percorram pelas terras que não pude ir, mas que bem queria.
Preste atenção, essa teimosia é o grande segredo, é a chave que abre a cela que nós mesmos construímos e nos encarceramos. Não há motivo algum de aumentarmos nossas tristezas, elas acabam vindo naturalmente, mas com um pouco de astúcia podemos até rir delas.
Não pense duas vezes, aliás, nem uma, acolha perigosamente suas paixões em seu peito, paixões são facas de dois gumes, ou as vivemos e saímos machucados ou não as vivemos e somos apenas marionetes jogados num canto porque a criança cansou de brincar.
Todas as vezes que se achar triste, pode deitar na grama e ficar calado olhando o céu, mas não esqueça nunca que os seus sonhos estão brincando por lá, entre as nuvens e que é sua a tarefa de ir até lá buscar um por um.
Não está feliz? Mas quem disse que a felicidade nos pertence? Nós é que somos sua propriedade, por isso não nos apeguemos dela demais ao ponto de esquecer a alegria, que apesar de ser mais fugaz, sempre é nossa amiga.
Quem sou eu, meu caro amigo? Nunca fui Mestre, não tive discípulo algum para as verdades que eu mesmo desconheci, sou apenas um velho que aguarda com um pouco de aparente e necessária calma o futuro que não faço ideia. Mas teu amigo, sempre...
(Para Jullyano Lourenço, extraído do livro "Jullyano e As Nuvens" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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