Mais Um

Mais um. Mais um ventre qualquer, na barriga de uma mulher, resultado de alguma treta, união de dois gametas, biologicamente humano, candidato à humano, insano, profano.

Mais um. Mais um que provavelmente será mal-amado, que tentará ser engraçado, fadado, acorrentado, dos bichos o mais ameaçado, que também ameaça, predador e também caça, pária social, bom e mau, orgulho da raça.

Mais um. Mais um pra chorar no escuro, pra ter medo do futuro, pra dar de cara no muro, cumpridor de normas idiotas, que vai tirar as piores notas, que vai tentar roubar no jogo, que vai ser bom pro fogo.

Mais um. Mais um pra querer furar a fila, com uma vida intranquila, vida forte, vida fraca, inteligente e babaca, um otário, que irá logo pro berçário e um dia vai embora na maca.

Mais um. Mais um pra ser filho de Deus, pra erguer a mão junto aos fariseus, será mais um canalha, nesse dia-a-dia chamado batalha, também terá seus sonhos, mas fica quieto, não espalha.

Mais um. Mais um de qualquer etnia, portador de várias tristezas, talvez de alguma alegria, que será enganado, estará errado, era só euforia, além do bem e do mal, existe a folia.

Mais um. Mais um que o choro incomoda, que terá um nome da moda, a moda que dá nome, que é comida e que também come, terá, será um sujeito, quase perfeito, quase imperfeito, ganhador de sete palmos no peito.

Mais um. Mais um que será viciado, tanto faz vício proibido ou liberado, nada tem lógica, nada é explicado, vá em frente, que bela corrente, atrás vem mais gente, não chegue atrasado.

Mais um. Mais um que vai ser massacrado, um novo Cristo nem sempre crucificado, seja o que for, sem vergonha nem pudor, que faça uma grande carreira ou só faça besteira, bem sucedido ou um fodido.

Mais um. Mais um filho da santa ou filho da puta, que não pediu pra entrar na disputa, mas já entra na dança, desde de criança, delicado, rude, sem saúde, sem esperança, sem motivo, mas mais um vivo...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).