Um muda de roupa, uma só... O suficiente para cobrir o que perdeu a vergonha, o que perdeu qualquer preocupação, o que não tem mais sentido para nada...
Não há mais frio, não há mais calor... O medo foi jogado fora, a tristeza perdeu sua importância... Não há mais sentido em desespero algum, já foi cumprido seu papel...
A hora chegou, inesperada como sempre... Tudo é mentira, não há conformação, não há compreensão... Mesmo que assim o decida, o fará por aflição...
Não há mais fome... A sede acabou... Não há mais preocupação de fiz de mês... As contas não são mais suas, o cobrador não pode mais ir na sua porta... A vaidade terminou, o endereço não pode ser trocado... Os vizinhos não incomodam mais...
Uma muda de roupa, uma só... Sem poema, sem canção, sem som e sem cor alguma... Nada atrapalha, nem ajuda... Nada está perto, longe ou logo aqui... Nem arrependimento vale mais alguma coisa...
O que falam, não aborrece e nem agrada mais... O cansaço se cansou de lhe perseguir, a doença não precisa de mais nenhum remédio... O tédio perdeu a sua vez...
O tesão acabou, a falta dele também... Não há opinião mais válida, não há mentira, nem briga por partido ou por time... As segundas-feiras não são mais desagradáveis e nem os finais-de-semana bem vindos...
A traição e a fidelidade partiram... Loucura e sensatez cessaram... Nem a sabedoria nem a tolice agora dão palpite... Não há mais erros e nem acertos... Não se sonha mais, nem há mais pesadelos...
Um muda de roupa, uma só... Pode ser nova ou pode ser usada... Comprada com esforço ou ganha... A que se gostava ou não... Limpa ou suja, ninguém vai reclamar...
Não há amor e nem ódio... Quem amamos não mais vamos conviver, não beijaremos mais amada, nem olharemos os filhos ternamente quando dormem... Os inimigos não poderão mais se vingar, mas a revanche não existirá mais...
Não há ciência, nem religião, nem mais nada que possa se dar opinião... A boca calada, os olhos fechados, enquanto ainda houverem... Num sono sem sono algum, sem nada que possa aborrecer...
Todos juntos um dia, os que mataram também, os que sonharam, os que destruíram sonhos... Independentes se velhos ou novos... Se feios ou bonitos... Se grandes ou pequenos... Os que conheceram o mundo todo, os que não conheceram mais que a cidade, os que só conheceram uma lata de lixo clandestina...
Uma muda de roupa, uma só... Os mortos não precisam de mais nada...
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