Não pude evitar de ver sua imagem nesta madrugada... Teria me levantado para quê? Não sei bem, o sono ainda pesava em meu me corpo, aborrecido por tê-lo interrompido em sua tarefa nem sempre pontual...
Mas estava lá, bem no corredor, fazendo sua cena como qualquer ator desses teatrinhos mambembes que se achavam por aí...
- Sabe quem sou eu? - perguntou-me com uma voz sepulcral saindo de uma boca quase indistinguível desenhada em seu rosto de lençol...
Perante meu silêncio preguiçoso ele repetiu tentando ser mais pavoroso ainda:
- Você sabe quem sou eu? - e tentou esboçar um sorriso daqueles de vilão de faroeste.
Pigarreando e tentando manter-me sem rir diante de tal visão, finalmente falei meio enrolado ainda pelo sono:
- Não...
- Pois saiba que eu sou o fantasma da solidão!!!
(Silêncio pesado feito em desenhos...)
- E por que tenho a honra de tal visita em tais avançadas horas? - falei contendo-me para não ser comicamente teatral.
- Eu vim lhe falar coisas terríveis!
- O meu gás vai acabar? - falei já com vestígios de pavor.
- Não! - falou o fantasma sem entender o porquê da minha pergunta.
- O marido da minha amante descobriu tudo entre nós? - arregalei meus olhos perante tal expectativa.
- Você é louco? - o fantasma me perguntou agora assustado.
- Pelo menos dizem que não... Mas me diga se foi isso.
- Não,seu idiota! Sou o fantasma da solidão, venho lhe falar sobre ela!
Suspirando um pouco mais aliviado lhe falei:
- Então prossiga...
- Eu venho lhe falar sobre algo bem pior do que a morte!
- O imposto de renda? - perguntei novamente assombrado.
- Porra! - xingou o fantasma quase perdendo sua compostura.
- Se não é, me diga logo, eu sempre tive uma certa queda para pequenos perigos...
- Eu venho lhe falar sobre a solidão, o tormento dos tristes, a causa de muitos choros, o que faz com que muitas almas doam mais do que, algo pior que os abismos...
- Ah, tá...
- Isso não lhe dá medo?
- Aos eremitas não dava nem um pouco... - falei desdenhosamente.
- Sim, mas esses a procuravam, - falou já impaciente - eram apenas uns poucos, para muitos ela veio e os afligiu grandemente.
- Entendo, - disse eu -, prosseguindo já entediado e meio cansado do tempo em que parado estava naquele corredor. Um ventinho frio da noite dava sua presença. - mas, diga-me afinal, o porquê da sua visita.
- O porquê? Isso está mais do que evidente! Olhe como você está? Olhe o tamanho dessa casa que um dia já foi tão alegre e hoje não é mais...
- Tudo tem seu tempo, este já passou...
- E a saudade?
- Para alguns é um veneno, para outros nem tanto...
- Não se sente machucado?
- Às vezes sim, às vezes não. Minha coluna dói muito, mas preciso dela para me por de pé...
- Às vezes sim, às vezes não. Minha coluna dói muito, mas preciso dela para me por de pé...
- Mas a coluna é uma necessidade... - prosseguiu o fantasma em sua insistência...
- E como podemos distinguir o que é e o que não é? Tudo é mais complexo do que podemos imaginar. Comer, por exemplo, é uma necessidade, mas o que se gosta ou não de comer acaba se transformando em outra. Assim é a saudade, senti-la pode ser mais ou menos ruim, não ter porque senti-la, pior ainda...
- E você venceu todas as lutas em que participou? - perguntou o espectro com evidente malícia.
- Creio que não, ainda bem...
- Ainda bem?
- Sim, como o senhor fantasma pode ver, sou um velho, não um perfeito idiota. Gastei como todas as outras pessoas, a maior parte do meu tempo, poderia ter aproveitado mais, mas os tolos desperdiçam praticamente todo...
- Prossiga.
- Ainda bem que não venci todas as lutas que participei, as máquinas fazem isso (quando não quebram ou enguiçam), os homens não. Poderia ser bem sucedido em tudo que participei, mas correria o risco de me tornar desumano, eu não sou um super-herói...
- E foi feliz assim?
- Não sei se fui. As pessoas deveriam enxergar que a felicidade é algo invisível, alguém sem quase tempo que nos visita constantemente em absoluto silêncio. Já a alegria é um tanto mais ruidosa e acaba se pondo em evidência...
- E é triste?
- Quem não é quase pelo menos um minuto por dia? Uma das poucas coisas que aprendi: a felicidade e a tristeza não são amigas íntimas, mas nunca discutiram por qualquer questão banal.
- E você não está desesperado com o meu vulto?
- Por que deveria estar? A solidão afligiu-me de pior forma quando estava no meio de multidões. Assim como o amor me feriu quando amava quem me desamava. O medo não tem o tamanho de quem o causa, mas de quem o sente...
- Não vai gritar?
- Por que deveria? Acabei de dizer que não estou com medo, nem tão-pouco estou alegre e muito menos enlouquecendo. E ainda tem o mais importante...
- O que?
- Não estou tendo vontade alguma...
- Mas em todo o caso, querendo ou não, aceitando ou não, você está só, não possui ninguém, pode ir onde quiser e ao voltar seu quarto ainda estará vazio como sempre nestes últimos tempos. Em sua cama não tem nenhuma amada, nem amante. O quarto ao lado está vazio, não tem filho algum para zelar o sono. Não tem nenhum projeto que o faça intranquilo e nenhum problema que o faça insone.
- Não devemos reclamar de certas escolhas. Mas isso é de certa forma uma inverdade, não estou só...
- Como assim? Não vejo ou sinto mais ninguém...
- Talvez não porque olhou a casa em seu tamanho certo. Eu não moro apenas nesta casa, isso é apenas um engano de proporção...
- Como assim?
- A casa é a rua toda, meus vizinhos também fazem parte dela, com suas famílias, seus problemas, guardadas as devidas proporções. E daí chegaremos ao bairro, à cidade, ao estado, ao país e, finalmente ao mundo, ao gênero humano, com tudo o que acontece sempre e sempre. Eu sou um solitário sim, mas um isolado não; um solitário sim, mas um solidário também...
- Pois eu não darei sossego algum! - esbravejou o vulto tremendo de raiva sua mortalha alva flutuante.
- E quem disse que eu quero? - falei deixando a assombração desnorteada. E sem que ela conseguisse retrucar coisa alguma continuei:
- Preste atenção, já está tarde. Dei-lhe alguns minutos de atenção, apesar de não conhecer o protocolo sobre como lidar com fantasmas, mas por certo alguns minutos. Está frio esta madrugada, estou sentindo um pouco e não gosto de senti-lo. Pretendo ir aonde vou e deitar novamente, detesto acordar com mais sono do que quando deito, isso acaba estragando um pouco minha rotina.
- ...
- Filosofamos um pouco? Acredito que sim, falando pelo menos alguma coisa, mas não pretendo me alongar nessa conversa. Se quiser continue seu monólogo por aí, por qualquer parte da casa, só não faça muita bagunça, aliás, até pode, já está meio bagunçado mesmo e depois de amanhã é o dia da diarista, já estou acostumado com as reclamações que ela acaba fazendo meio séria, meio brincando. Ela me conhece há anos...
-...
- Vou ao banheiro, está frio (como eu já disse) e os meus rins ainda funcionam mais ou menos bem... Talvez me aventure até a cozinha pegar um café, a cafeína, depois de tantos anos, não consegue mais tirar o meu sono, mesmo com tanta teimosia. Depois disso, é claro, um cigarro e deitarei novamente, fecharei os olhos e amanhã (hoje) acordarei como todos os dias: desejando que tudo aconteça como previ anteriormente. Mas aprendi que não vai ser assim, nunca é...
-...
- Ah, se quiser a senha do wi-fi não se acanhe, pode pedir...
-...
- E outra coisa, senhor fantasma, a solidão também não acaba sendo uma companhia? Pense nisso...
- E como podemos distinguir o que é e o que não é? Tudo é mais complexo do que podemos imaginar. Comer, por exemplo, é uma necessidade, mas o que se gosta ou não de comer acaba se transformando em outra. Assim é a saudade, senti-la pode ser mais ou menos ruim, não ter porque senti-la, pior ainda...
- E você venceu todas as lutas em que participou? - perguntou o espectro com evidente malícia.
- Creio que não, ainda bem...
- Ainda bem?
- Sim, como o senhor fantasma pode ver, sou um velho, não um perfeito idiota. Gastei como todas as outras pessoas, a maior parte do meu tempo, poderia ter aproveitado mais, mas os tolos desperdiçam praticamente todo...
- Prossiga.
- Ainda bem que não venci todas as lutas que participei, as máquinas fazem isso (quando não quebram ou enguiçam), os homens não. Poderia ser bem sucedido em tudo que participei, mas correria o risco de me tornar desumano, eu não sou um super-herói...
- E foi feliz assim?
- Não sei se fui. As pessoas deveriam enxergar que a felicidade é algo invisível, alguém sem quase tempo que nos visita constantemente em absoluto silêncio. Já a alegria é um tanto mais ruidosa e acaba se pondo em evidência...
- E é triste?
- Quem não é quase pelo menos um minuto por dia? Uma das poucas coisas que aprendi: a felicidade e a tristeza não são amigas íntimas, mas nunca discutiram por qualquer questão banal.
- E você não está desesperado com o meu vulto?
- Por que deveria estar? A solidão afligiu-me de pior forma quando estava no meio de multidões. Assim como o amor me feriu quando amava quem me desamava. O medo não tem o tamanho de quem o causa, mas de quem o sente...
- Não vai gritar?
- Por que deveria? Acabei de dizer que não estou com medo, nem tão-pouco estou alegre e muito menos enlouquecendo. E ainda tem o mais importante...
- O que?
- Não estou tendo vontade alguma...
- Mas em todo o caso, querendo ou não, aceitando ou não, você está só, não possui ninguém, pode ir onde quiser e ao voltar seu quarto ainda estará vazio como sempre nestes últimos tempos. Em sua cama não tem nenhuma amada, nem amante. O quarto ao lado está vazio, não tem filho algum para zelar o sono. Não tem nenhum projeto que o faça intranquilo e nenhum problema que o faça insone.
- Não devemos reclamar de certas escolhas. Mas isso é de certa forma uma inverdade, não estou só...
- Como assim? Não vejo ou sinto mais ninguém...
- Talvez não porque olhou a casa em seu tamanho certo. Eu não moro apenas nesta casa, isso é apenas um engano de proporção...
- Como assim?
- A casa é a rua toda, meus vizinhos também fazem parte dela, com suas famílias, seus problemas, guardadas as devidas proporções. E daí chegaremos ao bairro, à cidade, ao estado, ao país e, finalmente ao mundo, ao gênero humano, com tudo o que acontece sempre e sempre. Eu sou um solitário sim, mas um isolado não; um solitário sim, mas um solidário também...
- Pois eu não darei sossego algum! - esbravejou o vulto tremendo de raiva sua mortalha alva flutuante.
- E quem disse que eu quero? - falei deixando a assombração desnorteada. E sem que ela conseguisse retrucar coisa alguma continuei:
- Preste atenção, já está tarde. Dei-lhe alguns minutos de atenção, apesar de não conhecer o protocolo sobre como lidar com fantasmas, mas por certo alguns minutos. Está frio esta madrugada, estou sentindo um pouco e não gosto de senti-lo. Pretendo ir aonde vou e deitar novamente, detesto acordar com mais sono do que quando deito, isso acaba estragando um pouco minha rotina.
- ...
- Filosofamos um pouco? Acredito que sim, falando pelo menos alguma coisa, mas não pretendo me alongar nessa conversa. Se quiser continue seu monólogo por aí, por qualquer parte da casa, só não faça muita bagunça, aliás, até pode, já está meio bagunçado mesmo e depois de amanhã é o dia da diarista, já estou acostumado com as reclamações que ela acaba fazendo meio séria, meio brincando. Ela me conhece há anos...
-...
- Vou ao banheiro, está frio (como eu já disse) e os meus rins ainda funcionam mais ou menos bem... Talvez me aventure até a cozinha pegar um café, a cafeína, depois de tantos anos, não consegue mais tirar o meu sono, mesmo com tanta teimosia. Depois disso, é claro, um cigarro e deitarei novamente, fecharei os olhos e amanhã (hoje) acordarei como todos os dias: desejando que tudo aconteça como previ anteriormente. Mas aprendi que não vai ser assim, nunca é...
-...
- Ah, se quiser a senha do wi-fi não se acanhe, pode pedir...
-...
- E outra coisa, senhor fantasma, a solidão também não acaba sendo uma companhia? Pense nisso...
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Pobre fantasma, nem notei se tinha ido embora, se estava em algum cômodo da casa fazendo alguma coisa, sei lá. Mas seria interessante se estivesse ainda por aqui quando acordasse. Não me parece um mau sujeito...
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