quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Salvador Dali

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Não adianta mais que o suor escorra em minha testa. Acordar no escuro do quarto pode ser um parto ou pode ser mais um simples pesadelo que sobrou da passada noite. Eu o fiz. Tateio aonde estão os cigarros na mesinha de cabeceira ao lado. Cabeceira de muitas águas, assim mesmo. A cabeça dói. A vida dói mais ainda. Onde está o coelho que não era? Muitos relógios pulsando agora feito malvados corações. Entender nada talvez seja a melhor das opções...
A preguiça é maior do que a própria vontade. Vá que tropece e caia em mim mesmo. Um poço fundo e escuro habita em muitos peitos. Por que não no meu? Já gargalhei fora de hora em tantos dias. E mesmo assim continuo fingindo grandes novidades. Talvez eu queira ouvir passos lá fora e convide o medo para um café quase frio da garrafa que jaz em minha desarrumada cozinha...
Eu sou inocente dos meus tantos crimes. Humanamente falando acabo ficando meio tonto, meio tanto. Não conheço compaixão que não faça discursos. Estou ferido como sempre. As cinzas não são mais cinzas, agora outras cores fazem o mesmo carnaval. Repito gestos e cenas. Não há mais salvação em antigos dilemas. Eu mesmo me aconselho e me despeço de vis amores. Tudo foi tão bom enquanto não foi. O sonho molda todas as peças...
O vento ajuda quando muito. Eu me chamo chuva grande, vento maior ainda. Por mera questão de comodismo. Dia sim, outro também. A boca da minha pobreza escancara, mas já perdeu todos os dentes. O mais pobre inveja qualquer fracasso. O antigo álcool ainda sobe procurando certos enigmas. E eu quase que rio descontroladamente feito as rodas de uma bicicleta. Todo o arremedo um dia chega lá...
Parei de contar muitas coisas. Elas não mais existem. Parei na parada e não vi mais ninguém. Acreditar pode ser muito perigoso de acordo com as calculadas circunstâncias. Prateleiras cheias de venenos camuflando intenções melhores. O véu está rasgado. E dançarinas de rumba latinamente cumprem seu trágico papel. Os rios de Veneza acabaram parados. Não vi renascer nenhum Messias...
Faço um esforço quase monumental e atrapalho os mosquitos com sua banda de rock gótico. Cairei? Não sei, não sei, só sei. O contato do chão é frio como certas rias óbvias. Rio, vazio, frio, nem sei mais o quê. Os versos de Pessoa não mais me consolam, mas os xingamentos de Fraga tenha toda a certeza. Eu repito a repetição quantas vezes necessário for. O dicionário era tão grande e agora ficou parecendo livro de bolso trocado dois por um no sebo que agora está fechado...
Corredores parecem que foram feitos para filme. A sonoridade do silêncio comove até os carrascos. Talvez chegue ao fim da jornada com alguma coisa valendo a pena.Ser pobre pode ter alguma vantagem, monstros da lagoa podem ser petiscos na mesa de qualquer um pé-sujo. Dispenso as enroladas, as emboladas são melhores.Eu sou o dono do mundo até alguma hora trágica...
Ainda bem que não acordei ninguém, nem eu mesmo. Durmo em relógios que escorrem por entre dedos, o que pode ser até engraçado. Não me peça explicações sutis, sou um cara tão grosseiro quanto meu falecido pai. Talvez mais grosseiro, talvez mais falecido ainda. A alegria só vem em caprichados comerciais. Onde estão as correntes que eu mesmo fiz? Tudo é uma questão de evaporar e subir...
O ato em si não é nada. Foi rápido e sem filósofo algum meter o bedelho. Talvez as voltas possam ser um pouco mais interessantes. Pensar em coisas sem propósito é até um bom analgésico. Nomes e sinais que passam na tela do rádio. Tudo preparado para o foguete cair. Um ponto de vista assim o é. Alcachofras e cinemas tristonhos. Quanto custa a nossa felicidade? A apatia que esconde algo que nem eu mesmo sei. Joguei a Pedra Filosofal no mar e me deu preguiça de mergulhar para não me arrepender. É tanta coisa...
A cama me espera como a cova espera seu morto. As cobertas agora me engolem como o Leviatã. Eu vi algum movimento da cortina? Talvez não seja nada, seja só o final do mundo que levantou mais cedo. Um dia alguns levantam, um dia todos caem. Ivo viu a uva, mesmo em sua cegueira matinal. Dormirei até a hora que o trem das dez chegue na estação. Relógios escorrem, e daí? Queria agora era puxar os bigodes do tal de Dali...

(Extraído do livro "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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