quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Doía Menos

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Doía menos...
Acordar em paz todas as manhãs. Porque o mundo desaba lá fora, mas o problema não é meu. Se milhões de pessoas sofrem com as guerras, com a fome, com a injustiça, mas não tenho nada com isso. Se a violência urbana não fosse da minha conta.  Se a minha indiferença babaca me tranquilizasse. Se estivesse em paz. Mas não é assim...
Doía menos...
Ver o dia amanhecer tranquilamente pela janela, o sol cumprir novamente a sua rotina infalível de todos os dias e poder pensar com calma no que irei fazer. Neste exato momento, muitos choram de fome, mas a minha geladeira está cheia. Muitos não possuem o mínimo para sobreviverem, mas a minha conta bancária está no azul como sempre. Sou um cidadão honesto, cumpridor dos seus deveres, com meus impostos em dias, nada me importa além disso. Mas não é assim...
Doía menos...
Não ter grandes preocupações que tirem meu sono, não ter angústia alguma que tire meu apetite. Afinal de contas, ando sempre na última moda, minhas opiniões seguem as regras da maioria, sejam elas erradas ou não, é mais fácil aceitar do que pensar e refletir. Mas não é assim...
Doía menos...
Ter meus olhos para só ver as coisas bonitas, mesmo quando destituídas de algum sentido, mas sem olhar as sujeiras que existem e tanto incomodam quem olhe. Falar palavras comedidas, que não me ponham risco algum, politicamente corretas e nada comprometedoras, afinal quero passar desapercebido e não ser o próximo alvo. Ter cuidado com meus pés, com os caminhos por onde ando, pois prefiro uma vida insossa que seja prolongada pelo menos um dia a mais, se possível for. Mas não é assim...
Doía menos...
Só ter compaixão segundo os meus interesses. Só gostar de quem gosta de mim. Fazer de toda minha existência uma perfeição sem graça, uma folha de papel em branco sem mancha alguma. Esquecer a ternura porque ela pode incomodar e incômodos nunca são bem-vindos mesmo se necessários. Mas não é assim...
Doía menos...
Só amar se fosse correspondido, só sonhar com coisas que estivessem ao alcance de minhas mãos, só querer o possível, ainda que este fosse mesquinho e vulgar. Mantenhamos distância de feridas, mantenhamos distância da tristeza, não importa se ela é o prato do dia. É mais fácil rirmos de piadas sem graça do que sermos taxados de idiotas, é mais fácil mentirmos sobre nós mesmos desde que isso nos leve até a quase perfeição. Mas não é assim...
Doía menos...
Não se sufocar, não se preocupar com a vida e nem a morte, se se pode ser o primeiro da fila, o mais esperto, o mais notado, o campeão de toda competição barata que acontece por acontecer. Não ser esquecido, mesmo que isto não tenha valor algum. Tudo pode correr bem se nada corre mal. Mas não é assim...
Doía menos...
Ser pouco menos que uma máquina, pouco mais que um canalha, mas desde que ninguém o percebesse. Fazer pequenas maldades que nunca iriam para uma ficha penal. Esquecer de ser gentil, esquecer de ter mais calor. Esquecer de sorrir gratuitamente, de suspirar de vez em quando, de agradecer alguém por me deixar estar aqui. Mas não é assim...
Dói e dói muito. E que continue doendo, não me importo, não nos importemos. As dores também possuem seu lugar em nossa existência, a tristeza nos ensina o valor exato da alegria, as pequenas coisas nos mostram o tamanho exato de tudo. Dói e dói muito. Olhar para as paredes que nada falam e compreender que a solidão não é só nossa e que solidões compartilhadas acabam indo embora. Que o real valor do que existe é aquilo que lhe damos. Somos nós os senhores do nosso destino, os malvados escolheram o seu e isso pode e é muito pior. Não nos preocupemos, afinal tudo passa, os algozes também conhecerão do seu próprio veneno. Todo erro é uma faca de dois gumes. A vida faz várias concessões, mas a morte é teimosa demais para isso. E é assim...
Doía menos... Mas tem que doer...

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