quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Da Natureza da Selva Moderna Segundo C.A.

Selva

Silva

O cego e a ignorância

em combos baratos

Acabou-se a distância

entre nós e os ratos

Sexo

Nexo

A fome e a miséria

em suaves prestações

O riso é coisa séria

entre nós e as paixões

Lida

Vida

O circo e a tragédia

eis a temporada de caça

Volta a idade média

amassou a massa

Lodo

Todo

O pobre e a vulgaridade

o papel virou ferro

É apenas necessidade

esse nosso berro

Caldo

Saldo

As palmas e o palhaço

tranquilamente desesperado

Acabou e faltou espaço

a carne no mercado

As cores e as dores

nada mais fazem

Alguns amores

tempestades trazem

Selva

Silva...


(Extraído do livro "Palavras Modernas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Rio Seco


E mesmo seco, um rio é um rio. Onde as várias marcas contam passagens intermináveis. O sol deve ter esquentado demais, é o que pode acontecer. Não nos surpreendamos com mais notícias, sejam elas boas ou ruins...
O tempo (aquele velho de barbas brancas) segura sua ampulheta cheio de autêntica pressa. As carpideiras já saíram do banho e se arrumam e se perfumam perante o espelho cheio de manchas, preparando a maquiagem para ser minunciosamente borrada em seu afã...
E as folhas se amarelam de uma hora para outra, as flores não abrem mais. Tudo haverá de secar desde sua raiz mais profunda até o galho mais alto, aquele que quase tocou os céus dia desses, mas que falhou como todos os outros em sua inútil tarefa...
Nenhuma história é contada com real exatidão, os detalhes são formiguinhas que carregaram seu açúcar e foram embora. Inventar é a nossa sina, mesmo que tentemos registrar isso em algumas palavras rabiscadas num papel qualquer ou ainda de um outro jeito também desesperado e desesperante...
E o mar espera em vão seu constante beijo, hoje não haverá mais romance algum digno de nota. Como dois amantes que se desencontram assim tudo é e será inúmeras vezes, lentes algumas vezes falham, outras não, depende da quantidade de poeira que se acumule nelas...
Tudo se transforma, de um jeito ou de outro, os sorrisos cansam-se com facilidade, só o choro é esforçado em suas tarefas. Não nos preocupemos com isso, poderemos dar um susto no próprio medo, se assim o quisermos, é só duvidar da dor...
E mesmo não-correspondido, um amor é um amor. Enfeitado ele está para a companhia ou para a solidão, para chegar em primeiro ou em último, estar lá já é muito e sem amarmos (pura ou sordidamente), somos a embalagem que veio vazia direto da fábrica...
O tempo ( aquele menino engraçado e malvado) poderá até gostar de nós e não nos aprontar tanto das suas. Mas sua atiradeira estará sempre pronta, acertará frutas e passarinhos, não por maldade, mas por ofício...
E mesmo seco, um rio é um rio...

Senhora do Nada

Eu uso um edredom rasgado
porque está frio
Por me sentir tão mal-amado
é que estou assim vazio

Os carros passam, não percebo
não quero nem olhar
E se a sua fumaça eu recebo
e não dá para respirar

Eu sou nada, não és nada
Estou nu e estás pelada
Estou morto, estás gelada

Eu aproveito tudo o que sobrou
porque não tenho
Eu sei para onde um dia vou
nem porque venho

Os aviões estão voando no alto
as serpentes no chão
A paixão me tomou de assalto
meu pobre coração

Eu não sou nada, não és nada
Estou são e estás drogada
Estou morto, estás gelada...

Miscelânea Total

Junto minhas lembranças em trapos

e encho antigas gavetas com elas

Nomes e rostos perdidos na lembrança

faço deles um meu novo monstro...

Capricho no meu ridículo

como qualquer cidadão de bem

Temos sempre perdão para nós mesmos

e nunca temos para os outros...

Eu fiquei pensando quase dia desses

sobre o fato de ainda estar aqui

Será que ainda estou mesmo?

Ou já fui embora e nem percebi...

Meus olhos já foram azuis

enegreceram e depois entortaram

Não olham mais com sofreguidão

bundas de fora em velhas revistas... 

Tudo mudou sua perspectiva

o meu quintal-mundo encolheu

E aquele sol que eu desenhava

há muitos dias já se escureceu...

Se eu pudesse andar para trás

certamente eu assim o faria

Como num filme ao contrário

para reviver tudo o que eu vivi...

Alguns arlequins e muitos palhaços

todos ocupando o mesmo espaço

Grandes e pequenas jogadas

não passamos de grandes nadas...

Notas conhecidas agora não mais

velhas ondas para o mesmo cais

O silêncio tem ouvidos para escutar

mas eu não tenho mais o que falar...

Vou rir de que afinal de contas?

perdi minha carteirinha de hiena

E o circo ainda não chegou de novo

para que eu possa pintar meu rosto...

Toda estatística acaba sendo idiota

nos vendemos por algumas moedas

E sempre tentamos disfarçar isso

com a felicidade que nunca temos...

Junto minhas lembranças em trapos

e encho antigas gavetas com elas

Nomes e rostos perdidos na lembrança

faço deles um meu novo inferno...

Poema Em Um Papel Em Branco

É apenas um papel em branco...
Velho, sujo, amarelado pelo tempo...
Levado por um vento vagabundo
reles arremedo de folhas mortas...
Velho, sujo, andarilho de ruas...
Cão sem dono e sem lar
com os pelos maltratados de sonho...
Para onde andará esse papel?
Anda por algumas dessas ruas
como Quixote andou pelo mundo...
Desapercebido, invisível, desprezado,
como muitos andam por aí
deitando desabrigados sob marquises...
Despretensioso, distraído, cínico,
fruto de uma história que se perdeu...
É apenas um papel em branco...
O que poderia ter sido escrito nele?
Heroicas palavras de ordem...
Pedido de socorro de alguma náufrago...
Suspiros de quem ama em segredo...
Fórmulas mágicas cheias de mistério...
Desenhos que um pobre menino fez..
Confissões de crimes sem maldade...
Receitas apenas para serem guardadas...
Contas do comerciante indeciso...
Primeira carta de amor da adolescente...
A guia de internação de um louco...
É apenas um papel em branco...
Velho, sujo, amassado e sem asas...
Qual poderia ser o seu destino?
Há tantos destinos e um só...
Mas bem que dele poderia surgir
Apenas mais um poema só...

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Não!


Não morra,
não se mate,
não corra
pro abate...

Por pior que possa parecer,
a vida acontece para ser vivida,
um dia todos iremos morrer,
mas isso não é coisa decidida

Vamos cantar enquanto podemos,
se a boca se cala, existe o coração,
se houver dança, então dancemos,
nem que isso custe nossa exaustão

Levante todas as vezes que cair,
não se importe em ter que chorar,
pra sonhar não se precisa dormir,
não se precisa de asas pra voar

Não negue à si mesmo esse direito,
um dia a tristeza acaba indo embora,
tudo nesse mundo tem um defeito,
mas até a morte tem sua hora

Não morra, 
não se mate,
não corra 
pro abate...

Vivamos...

Inominável Dança

Sinto em mim como um aperto
meu coração acaba dando um nó
e os músicos param seu concerto
e de repente toda cena virou pó

Surpresas assim todos nós temos
o próprio susto já anda assustado
quando menos se espera percebemos
que a morte está bem ao nosso lado

Ela aguarda da forma mais paciente
que a nossa dança esteja terminada
seu alvo pode estar são ou demente

Pode ter tudo ou pode não ter nada
Pode ser culpado ou ser inocente
a próxima dança estará preparada...

Choro de Asas


Muitas asas choram por aí...
alguma vemos... outras não...
o importa é que elas existam
e este choro é um choro triste...

As asas grandes...
asas pequenas...
asas negras...
asas brancas...

Muitas asas choram por aí...
algumas ouvimos... outras não...
a nossa apatia as machuca...
somos maus o tempo todo...

As asas certas...
asas erradas...
asas machos.,,
asas fêmeas...

Muitas asas choram por aí...
por bobagens... por sérios motivos...
olhamos para o outro lado...
somos sempre inocentes...

As asas do dia...
asas noturnas...
asas benditas...
asas malditas...

Muitas asas choram por aí...
algumas inteiras... outras quebradas...
pegamos nossas atiradeiras...
matamos os sonhos alheios...

As asas nossas...
asas dos outros...
asas dos anjos...
asas dos demônios...

Asas... Asas... Asas...

Vivos Que Estão Mortos


O cão que ganha um pedaço de salgado
na porta da lanchonete 
entende mais de felicidade que muito ricaço
A criança pobre que acha um moeda
jogada no meio da rua
conhece mais a alegria que o cantor famoso
A puta que pagou um café para um mendigo
conhece Deus mais de perto
do que o maior dos pregadores da Palavra...

Este é o mundo, senhores!
Há muitos vivos que estão mortos
e muitos mortos que estão vivos!

A cova rasa trará o mesmo descanso
que trará o mausoléu
onde todos os corpos irão apodrecer
A morte tem miopia é quase uma cega
é surda e não escuta apelo
não possui parentes nem fez amigos
Todas as carnes podem ser feridas
e mesma as maiores pedras
não impedem que o tempo engula tudo
O desespero fugiu da escola, é analfabeto
e pode errar de endereço
e acabar não indo parar no casebre...

Este é o mundo, senhores!
Há muitos vivos que estão mortos
e muitos mortos que estão vivos!

O câncer esqueceu de mandar um recado
dizendo que dia chegaria
e de qual natureza ele realmente seria
A guerra começou de repente entre irmãos
e a usina nuclear mostra sinais
que poderá destruir de uma vez vidas e sonhos
O trânsito parou totalmente no centro da cidade
para que os bombeiros
possam recolher os corpos de vítimas do acidente

Este é o mundo, senhores!
Há muitos vivos que estão mortos
e muitos mortos que estão vivos!

Que todos descansem em paz...

Caçador de Impossibilidades


Tenho que me lembrar de não lembrar
Esquecer de algumas borboletas do meu jardim
Outros quintais igualmente mortos e esquecidos...

Uma chuva cai vinda de algum lugar triste
E hoje os meninos também não saíram para a rua
E uma solidão maior golpeia esse peito já ferido...

Tinha que poder voltar para a minha cama
Essa mesma cama só saturada de vários pesadelos
O único confessionário que tive durante muitas noites...

Haveria algum lugar que poderia fugir de vez?
Acho que para onde eu conseguisse finalmente parar
Me depararia com a imagem bem triste de mim mesmo...

Dia desses ouvi falar (ou teria sido delírio?)
Que um grande circo chegaria nessa nossa cidade
Seria impossível que possa partir de vez com ele???

domingo, 28 de agosto de 2022

Desesperemo

desesperemo
nesse barco sem remo
onde tudo treme
cadê o meu leme?

vai prum lado e pro outro
pinoteia que nem potro
não tem mais nem ideia
acaba caindo na plateia

desesperemo
nessa corrida sem premo
onde tem explosão
onde foi meu coração?

entra no beco e sai na avenida
não é morte nem é vida
é viver sem existir
é a felicidade do faquir

desesperemo
eu nem mais tremo
tomei tiro no assalto
nem pude ir pro alto

passarim sobe passarim cai
é no silêncio ou no ai
bebo ou não bebo
ganho e não recebo

desesperemo
sou quase o demo
onde tudo geme
não me blasfeme...

Basta Estar Só




Basta estar só...
Para que todos os sons aumentem de tamanho
e até possamos escutar as batidas do nosso coração
Para que tudo ao nosso redor pareça estranho
e cada centímetro acabe virando uma imensidão...

Basta estar só...
Para que todo e qualquer movimento então cesse
e estejamos calmos sem possuir nenhuma calma
É nesta hora que aquele nosso fantasma aparece
o mesmo fantasma que faz parte de nossa alma

Basta estar só...
Para que o tempo pareça ficar bem mais lento
e o relógio dê a impressão de estar agora parado
Para que uma apreensão chegue à todo momento
e nos perguntemos: por que tudo deu errado?

Basta estar só...
Para que os objetos da casa se encham de poeira
e tudo dê apenas a impressão de pobre abandono
Para que sintamos o frio mesmo perto da fogueira
e a fragilidade igualzinha a de um cão sem dono

Basta estar só...
Para que a velha piada acabe ficando sem graça
e que a canção agora apenas fique incomodando
Para que acabe de uma vez a nossa pirraça
e que mal percebemos que nós ainda respiramos

Basta estar só...

Corrupção S/A

O povo enganado
O povo esfomeado
O povo desempregado

A humanidade - uma firma falida
A vida - o caos por alguns instantes
O tempo - uma bola dividida
O homem - Dom Quixote sem Cervantes

O povo enganado
O povo desamparado
O povo manipulado

A mídia - a grande máquina de mentir
Nascer - apenas uma questão de sorte
Novos Judas - prontos para nos trair
Inversões - a vida dóis mais que a morte

O povo enganado
O povo embriagado
O povo intoxicado

A fila - uma grande demonstração de misérias
A moda - o modo seguro de ser um palhaço
A justiça - acabou de entrar em férias
O destino - terminou de desmaiar de cansaço

O povo enganado
O povo adestrado
O povo explorado

A fama - uma faca afiada com seus dois gumes
A riqueza - como fazermos mais vidas infelizes
A cegueira - agora faz parte de nossos costumes
A guerra - agora passeia em todos os países

O povo enganado
O povo fantasiado
O povo aterrorizado

A maldade - é agora o mais comum e o normal
A estratégia - vamos mentir para capturar a presa
A loucura - cada dia faremos mais um carnaval
A corrupção - é a nossa mais nova empresa

O povo enganado
O povo enganado
O povo enganado...

sábado, 27 de agosto de 2022

Poema Ingrato


Dói o peito em estrofes desprezadas,
a solidão me abraçando com carinho,
nada mais tenho que um riso bobo
dado desesperadamente em frente
ao manchado espelho do banheiro...
Os pelos brancos cobrem o rosto,
disputando lugar com todas as rugas,
eu sei que foi o tempo que passou,
mas confesso que nunca soube
que isso seria triste desse jeito...
Que poema ingrato é a vida!
Fiz tanto esforço por rimas perfeitas
que acabaram se quebrando no chão,
no chão frio de um banheiro sujo
ou no calor da calçada empoeirada...
Que prosa debochada e sem nexo!
Esses amores que me esbofetearam
na rua e na frente de todas as pessoas
que fizeram sentir-me envergonhado
e que simplesmente foram embora...
Dói o peito mais do que um infarto
a cabeça gira mais do que num AVC
sobrevivo como não queria 
mas que poema ingrato é a vida!...

Canção Para Ninar Os Monstros


Espera mais um pouco
para que meu sono venha,
é difícil ele chegar para esse velho insone,
mas uma hora ele chega...
Minhas cansadas pálpebras
irão aos poucos pesando
até que meus olhos
acabem fechando até a próxima manhã...
Tomara que os pesadelos
que quase sempre tenho
percam a sua condução
e cheguem pelo menos atrasados...
Aí não poderão fazer nada,
o dia já terá se incendiado,
o silêncio foi rompido pelos carros
e se existem medos serão outros...
Escutarei com certa atenção
alguns passarinhos que tentarão
pelo menos me distrair
me enganando que a vida é boa...
Não sei se ela é de verdade
muitos chorarão porque chegaram
enquanto outros irão chorar
porque ficaram e alguém partiu...
Enquanto isso com mãos trêmulas
rabisco aqui minhas bobagens
que pelo menos vão tentar
ninar os monstros que eu mesmo criei...

Inglório ou O Rei Está Nu


Para cada tristeza tenho uma maior

Olho sorrateiramente tudo em minha volta

E solto um suspiro digno de um romance

Nada está bem nada está bem nada está bem...

Pelo menos poderia haver 

Mais um pouquinho de tragicidade

Se meus gestos não absorvessem essa silêncio

Que quebra tudo ao redor feito um martelo...

Eu faço algumas rimas mais impossíveis

Transmuto banalidades feito alquimista

A festa não acabou porque nem começou

Com solenidade vou deglutindo a solidão...

Os sonhos escorreram entre dedos

Como as areias que sempre assim foram

Areias que por onde passam ferem

Deixando nossos cadáveres insepultos...

Eu não sou o menino e acho que nunca fui

Sou algo que nem eu mesmo sei o que é

E o dia em que descobrir talvez seja tarde demais

Porque pode ser essa descoberta a própria morte...

Não sou eu quem vai dizer a duração da peça

Mas posso sim virar as costas para a plateia

Esperando que todas as palmas ou vaias cessem

Assim como todas as chuvas acabam acabando...

Vejo ainda a silhueta daquelas mais altas torres

Castelos que fizeram minhas mãos sangrarem

Só não me lembro mais quando eu os fiz 

Quanto sangue foi o preço que paguei por eles

E agora não sou rei de mais nenhum reino...

Todas as histórias que contei perderam o sentido

As fogueiras que acendi estão mortas há muito

E o meu acampamento um grande cemitério

Onde todas as batalhas já foram perdidas...

Talvez seja apenas mais um desses meus delírios

Essa música que escuto tocar bem ao longe

Não distingo sua letra mas engulo sua música

Ela desce rasgando em minha pobre garganta

Como uma cachaça que pedi no bar da esquina...

Não há chuva mas continua a chover ninguém repara

Todos nós de uma forma ou outra furamos os olhos

E a apatia nos atrela à carroça do destino

Até que a exaustão acabe conosco de uma vez...

O rei agora está nu e ninguém viu isso...

Inquebrável

 

O espelho em que te miras

é inquebrável,

esperto espelho esse,

não sucumbirá à tua beleza,

olhará tua nudez em

malicioso silêncio...

Te desejará como se fosse

um ser humano,

mais do que isso,

teu amante de todas as horas...

E o dia em que partires?

Não se quebrará,

apenas não refletirá mais nada,

como meus olhos agora...

E Ainda Vivem...



Eu me esqueci de certos gostos,
Sobretudo do gosto doce,
Restam-me salgados, amargos, azedos,
É muita covardia, três contra um...
Mesmo assim e sempre
Os que eu comia feliz na calçada
Em tempos mais do que infindos
Sustentam essa alma com fome...

Já não me lembro de certos brinquedos,
Uns já foram quebrados fazem anos,
Outros o tempo engoliu um a um,
Mas ainda estão aqui comigo...
A memória não ajuda muito,
Estão todos na mesma caixa de papelão
Esperando a hora do menino brincar
Mesmo que continue solitário...

Muitos amigos foram dormir
O sono que terei certamente um dia,
Olhando sem olhar para o alto,
Num niilismo que nem sei se possível...
Mesmo assim, cada choro e cada riso
Estarão sempre andando comigo
Nesse caminho chamado existência
Grão de poeira entre as estrelas...

Eu esqueci de certos gostos,
Esqueci até de mim num dia destes,
Não tive sequer um pouco de saudade,
Talvez fosse o melhor para ser feito...
Ando tranquilo neste meu cemitério
Sem medo de fantasma algum,
Eu tenho junto comigo vários mortos
E todos eles ainda vivem...

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Quase Morri Em Versos Abandonados

Quase morri em versos abandonados
morri-me todos os dias
como quem cruza as mãos sobre o peito
fecha os olhos e pronto...
A poeira deu-me alergia
incomodou-me os olhos
e finalmente cobriu tudo...
Quase morri em versos abandonados
chorei-me todos os dias
assim em dias totalmente cinzas
desprovido totalmente de azul...
A festa acabou antes
e a fogueira se apagou
me deixando no escuro...
Quase morri em versos abandonados
dominguei-me em desespero
sabendo que aquilo
que amamos não voltará mais...
Meu peito é um ataúde
onde guardo os cadáveres
do que queria e não tive...
Quase morri em versos abandonados
carnavalei-me em desvario
já estamos na quinta-feira
e nem demos conta disso...
A fantasia já se rasgou
o bloco do sujo está limpo
ricos burgueses sem culpa...
Quase morri em versos abandonados
todos eles afogados num copo...

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

E O Desencanto Dispensa Maquiagem


 Eu tenho muitas saudades 

E como essas saudades me atingem

Como fosse um tiro certeiro

Que atingiu o meu coração

Mesmo que seja um lugar-comum

As tristezas são lugares-comuns

A solidão não se enfeita

O desencanto dispensa maquiagem

Eu tenho vontade de ir embora

Mesmo tendo medo 

De que o nada possa existir

Mais do que eu possa imaginar

E tenho medo da solidão

Seja de que forma ela seja

Fico imaginando um silêncio 

De um enterro sem ninguém

Os coveiros apenas têm pressa

É mais um trocado que ganharão

Eu não chorarei mais contigo

Como naqueles dias de caverna

Onde estarás agora?

Drogada? Bêbada? Louca?

Ou por baixo de um canalha?

Eu não rirei mais contigo

Como naqueles dias sem dia

Onde nem o teto era de estrelas

Mais parecido era com um túmulo

O túmulo do eu-vivente

Mais parecido com um eu-morrente

Eu tenho muitas saudades

E seria tão bom se elas me encantassem

Mas o desencanto dispensa maquiagem...

Poema aos Excluídos e aos Incluídos Também


Tenho pena dos cegos...
não os do cegos do corpo,
estes enxergam muito melhor
com outros sentidos 
que a alma lhes deu,
a luz do seu interior
supera e como supera
muitos obstáculos...

Os cegos do coração sim, 
esses são dignos de pena,
andam por caminhos escuros
em plena luz do dia
e não serão nunca felizes...

Tenho pena dos mudos...
não dos que não conseguem falar,
existem muitos gestos ternos
que valem mais do que tesouros
que um dia irmão embora,
mãos que trabalham não só por si
mas que tiram da terra
o encanto que há de melhor...

Os mudos de verdade são outros,
são os que calam ante as injustiças,
que são covardes e mesquinhos,
que não sabem participar
da grande melodia da vida...

Tenho pena dos que não podem andar,
não daqueles que perceberam
que as limitações do corpo
são apenas meros detalhes,
que transpõem montanhas inteiras
com simples e pequenos passos,
que sabem viver todos seus instantes
e possuem a certeza que a vida vale a pena...

Os cadeirantes, os paraplégicos, os tetraplégicos
do caráter, da moral, os verdadeiros paralíticos
são outros, que geralmente nem sabem que são,
são os que só sabem se lamentar
e nada fazem por si e nem pelo próximo...

Tenho pena dos que não tem a mente perfeita,
não daqueles que possuem certas limitações,
limitações foram feitas para serem superadas,
os sorrisos são joias preciosas demais
que nunca estarão ao alcance do ladrão,
a pureza nos aproxima dos anjos,
exemplos claros nunca nos faltam
para que nossas tristezas não parem a jornada...

Os malvados, os egoístas, os apáticos,
esses sim são os verdadeiros insanos
que dispensam camisas-de-força resistentes,
não precisam de manicômios nem de celas,
já estão perdidos em seus labirintos...

Tenho pena não dos excluídos
por essa sociedade cheia de tolices,
tenho pena dos que os excluem
e como disse alguém há muitos anos:
"Pai, perdoa, porque não sabem o que fazem..."

Os Pombos da Minha Cidade


Os pombos da minha cidade...
testemunhas oculares invisíveis
do caos que ronda todo o tempo
e traz a possibilidade absurda dos dias...

Os pombos da minha cidade...
são de todas as cores possíveis
e usuários de óculos de sol
mesmo em dias de chuva teimosa...

Os pombos da minha cidade...
são capoeiristas dos arranha-céus
músicos de uma banda de jazz e blues
malandros de indescritíveis morros...

Os pombos da minha cidade...
são burgueses com ternos de linho
gravatas compradas em brechós
e vendedores de balas na Central...

Os pombos da minha cidade...
comem todas as migalhas
que uma sociedade corrupta joga
disputando com outros miseráveis...

Os pombos da minha cidade...
dançam frevos fora de época
maracatus como se fosse reza
e sambas-enredos de carpideiras...

Os pombos da minha cidade...
com seus dentes de ouro dos bicheiros
com suas bizarrices de escola
com seus pentelhos despontando...

Os pombos da minha cidade...
testemunhas oculares invisíveis
do caos que pariu todo o tempo
e despontam no chão ou fora dele...

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Cover de Vida

 

Já que está no além, 

deixa eu falar também,

se é mal ou se é bem, 

sou sobrevivente, 

de forma aparente,  

sou algo aquém...

Bom dia, Morte! Veio me buscar? Chegou atrasada... Cada ser desses que estão caídos pelo chão, cada pequeno cadáver insepulto, são os meus sonhos e eu fui morrendo um pouco com cada um deles...

Já que está na tela, 

no final da novela,

é feia a aquarela,

da mídia, da massa,

é a nova trapaça,

mas tão bela...

Não estranhe, Morte! Se eu tenho medo de você? É claro que tenho... Quem não tem? Somente os desesperados suicidas. Mas aprendi a maquiar meu medo com o serenidade dos que não a têm...

Já que é o que é,

tá faltando a fé,

der no que der,

já virei nos trinta,

já perdi a tinta,

sou o que vier...

Sinta-se à vontade, Morte! Que pena que não tenho mais aquele terninho azul... Agora qualquer farrapo serve, qualquer roupa fora de moda, desbotada, rasgada, camisa de propaganda ou candidato. Essa serve?

Já acabou a bebida,

não tem mais comida,

estou sem saída,

estou sem meu sono,

sou um cão sem dono,

só um cover de vida...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 322

O amanhã é o hoje com requintes de ontem. Todo amor acaba sentindo raiva de si mesmo. Os pássaros acabam invejando as serpentes que queriam ...