Os dias são outros, mas a tristeza é a mesma. Mudaram as senzalas, mas os chicotes continuam iguais ou, talvez, até um pouco mais dolorosos. Novos tipos de crime foram descobertos...
Não existem mais navios negreiros, mas os coletivos estão por aí. Os porões se aposentaram, mas agora a fumaça nos envolve. Nossa fome é outra, agora nossas barrigas se enchem de venenos. Enchem nossos bolsos de moedas, mas é para esvaziá-los com mais requintes de crueldade...
Filas daqui, filas dali. Nunca mais seremos nós mesmos. Idade média, idade mídia. Foi liberada a morte à distância quando muito. Atire no negro, atire no pobre, no gay, no que crê de forma diferente e no rebelde. Atire para matar! Abuse das mulheres e das crianças. Está na moda!
Está na moda o ridículo, o absurdo e o insensato. Mostre a bunda na rua, seja a sensação do momento. Quanto pior, melhor. Destrua tudo o que sobrou de nossas lembranças. Sem educação, sem moral, desonesto...
Cegos, mudos, surdos, felizes por nossa infelicidade. Apáticos ao alheio. Com nossas assombrações por onde formos. Pedaços de carme ambulantes, nunca mais seremos vivos...
Ria só de deboche, sem motivo, sem razão. Coloque Deus no meio das suas tretas, o dinheiro em cima do altar, o carrão acima da moral. Faça sexo sem amor, minta via de regra de vida, faça parte da construção de um mundo pior...
As noites são outras, mas com mais pesadelos. A guerra que pode começar, o desastre que pode aparecer na tela, a nova doença que mata, o novo remédio que destrói, a insanidade que chegou à galope...
Nada mais é suficiente, só a insensatez, nada presta, nada vale, o candidato mentiu, o herói se acovardou, a poesia perdeu o sentido, os versos foram censurados. Não rimos mais por graça, não nos apaixonamos, não sonhamos, a nossa ternura é apenas um espantalho...
Fábrica de máscaras, precisamos de tapetes para esconder as sujeiras, gavetas para escondermos os sonhos, armários para nos escondermos de nós mesmos. O comercial de uma família saudável é a nossa meta, a música da moda é o nosso gosto...
Morte ao que é bom e ao que é belo. Viva ao crime patrocinado pelo estado, vivam os políticos corruptos, aos mestres da tolice e a mais sórdida decadência em que estamos até o pescoço...
Os dias são outros, mas a tristeza é a mesma. Agora tanto faz, a rua, a cela ou a casa. Desde o primeiro Homo Sapiens cumprimos o nosso inferno...
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