quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Fuga Em Si Menor

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Para se proteger, há de se ter pés.
Pés para correr se necessário assim o for, procurar todos os becos mais escuros, todas as entradas duvidosas, lugares que um cão vadio não entraria e que só as sombras poderiam estar sem serem molestadas...
Para se proteger, há de se ter mãos.
Mãos que possam cavar as covas mais profundas, tirar as pedras mais pesadas, segurar com firmeza o cajado dos peregrinos para ir adiante, mãos que acariciem mesmo sendo rudes quando necessárias, mãos inteligentes para poder compreender mínimos gestos...
Para se proteger, há de se ter olhos.
Olhos mais atentos como numa selvagem caçada, que percebam os mais tênues movimentos, que enxerguem a luz mesmo dentro da escuridão, para poder refletir a luz das estrelas, para poder abrir e fechar as portas da alma...
Para se proteger, há de se ter boca.
Boca para gritar quando assim é preciso, para acordar multidões, para xingar ou recitar lindos versos de uma paixão avassaladora, para se fechar nos mais tristes lutos, para assoviar canções já esquecidas...
Para se proteger, há de se ter nariz.
Nariz para sentir todos os odores que o ar possui, conhecer o cheiro distinto de cada dia, de tudo que exista em torno, distinguir os cheiros dos sábados do cheiro dos domingos, saber quando os temporais se aproximam, quando as festas acontecem e quando a ternura vem chegando sorrateira...
Para se proteger, há de se ter tato.
Tato para poder entrar e sair dos pântanos mais traiçoeiros, para reconhecer a pétala de cada rosa, saber a diferença entre a pele de quem amamos e os calos de quem trabalha, conhecer a linguagem de todas as diferentes texturas...
Mas para se proteger, sobretudo, há de se ter alma.
Alma para poder resistir às intempéries da vida e da morte, saber distinguir uma da outra, ter calma para conviver com as duas, conhecer o tempo exato para cada acontecimento, sem desespero precipitado e nem calma excessiva, e ainda, conseguir fugir de si mesmo, quando necessário for....

(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram" de autoria de Carlinhos de Almeida)

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