Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando me contaram que o amor tem seu preço. Que os sonhos são vendidos nos bazares. E que as fábricas dedicam ao seu tempo à construir todas as nossas ilusões. O sexo é apenas mais uma prática fisiológica com toques de sacanagem ou moralismo de acordo com a vontade do freguês.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando descobri que o tempo não dá bola pra nenhum dos nossos reclamos. Que o fim é apenas o começo de todos os enredos. E que o maior dos nossos enganos é acharmos que seremos mais moços que as outras pessoas.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando descobri que as palavras mais belas. Que os versos mais exatos. Os sentimentos mais sublimes expressos nas mais solenes expressões. São apenas algumas páginas empoeiradas de velhas publicações ocupando espaço pelos sebos.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando percebi que a simplicidade é deveras complicada. E que devemos optar por determinadas coisas por falta de outro caminho. Tudo é apenas aparência. E até claras e mansas águas tem seu perigo em potencial.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Ao notar que todas as cores são um eterno preto-e-branco que teimamos em querer enfeitar. Que tudo desbota e fica cinza. Até os mais belos rubores de faces que talvez fossem as nossas.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando soube que os dias não se repetem. Mas que mesmo assim são parecidos em seu próprio mal. Todas as coisas são moedas. Mesmo quando possuam mais de dois lados.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando aprendi que todos os enigmas são apenas banalidades de algum almanaque. Que não há nada grande suficiente que devore o nosso ridículo. E que mesmo qualquer niilismo no final é crença. Mesmo que esta crença seja no nada.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Ao me olhar no espelho e ver que continuo a mesma coisa. Que nada modifiquei. É tudo uma ilusão. Um grande engodo. Esta é sim a maior das piadas. Eu não sou o agora. Eu sou o momento seguinte. Eu não sou o que passou. Mas o eterno passará numa imortalidade que inquieta e incomoda.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando vi Deus e o diabo almoçando juntos dentro de mim. Como poderia ser cruel a minha bondade. Como são estreitos todos os caminhos. E que a teimosia é a único dom que podemos ter com toda a certeza.
Eu quase tomei um susto. Quase tomei. Quando me vi andando por todas as noites mais escuras e o medo faltou-me nos bolsos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário