Eram dias que hoje parecem
sombrios e talvez tivessem sido mesmo. Eles já se foram, mas suas marcas permanecem
no chão de minha alma e nada pode tirá-los. Mesmo que eu queira, mesmo que faça
mil rezas em mil línguas esquecidas e mesmo que tudo pareça resolvido.
Eu aqui estou. No mesmo
desespero de ontem e de todo o tempo possível. E olho com os mesmos olhos
tortos que fizeram tanto rir. É como se eu andasse o tempo todo e continuasse
parado no mesmo lugar. Tudo partiu, menos eu...
Por favor, me esperem. Voltem
aqui. Eu não sou o que pareço ser. Voltem aqui. Eu ainda tenho gestos mais intempestivos
que os seus e rio mais do que possam sequer imaginar. Eu não estou sério de
forma alguma, isso é apenas um disfarce para alguns golpes de mestre. Não me
deixem fora desse círculo onde podemos brincar a mesma ciranda...
Por favor, me beije. A beleza
não veio ao meu encontro e eu não sou um cara nada legal, mas também desejo. Me
namore. Mesmo que isso signifique tristeza na próxima curva ou maltratos para
um coração. Me deixe meter a cara na parede se isso pode significar ter
lembrança. Não me deixe...
Eu tenho uma coisa para lhes
contar. Era tudo mentira. Vocês nem imaginam como era. O medo pode ser um
grande arquiteto quando ele quer. O medo pode fazer paredes de sombra e chãos
de fumaça. E foi o que ele fez. Na verdade, eram tempos de guerra e nesta
guerra os fracos podem e devem vencer. E era o que acontecia... Cavem
trincheiras, camaradas! Armem-se até os dentes! Não durmam, os pesadelos podem
chegar à qualquer momento! Não pedimos a tristeza que aí vem! Eu conheço sequer seu nome, mas temos algo em
comum! Nada fizemos de errado, quando muito, apenas nascemos! Nascemos chorando
e chorando continuamos...
Vocês riam e brincavam, mas
riam de nós e brincavam com nosso sentimento... Não se envergonham disso? Pois
deviam... Vocês faziam a festa e mandavam no mundo e nem sabiam que isso era
mal... Nunca fomos convidados para a festa e o mundo que era também nos
pertencia era como que tomado... Não se envergonham disso? Pois deviam...
Cada lágrima que choramos até
hoje tem a sua participação. Cada desamor que sentimos partiu de suas mãos e
cada abismo em que caímos também foram cavados por elas. Não há tribunal que os
absorva de sua culpa e nem deus que lhes dê o perdão. Não há Pedra Filosofal
que transforme nossa dor em alegria e nem há algum elixir que ressuscite aqueles
nossos sonhos. Vocês os mataram em seus berços ou perto deles...
Mas seus fantasmas ainda estão
por aí. Perseguindo cada carrasco e espreitando cada algoz. Os que venceram na
vida ou os que perderam na morte porque tanto faz... Pais de família e mulheres
amadas, construtores da sociedade e pensadores do hoje... Leitores de grandes
novidades e telespectadores de todas as maravilhas... Formadores de opinião
pública e bom exemplo à ser seguido... O seu perfume não disfarça o cheiro e a
sua aparência não afasta o perigo. O cheiro dos mortos é muito mais forte e,
por isso, sentido de longe. E o que restou de seus corpos metem sempre medo...
Contem nossos ossos se
quiserem. Um dia chegará a vez de sua contagem... Tentem nos enganar com
solenes missas. Só a terra realmente nos dá e nos tira e a terra não tem muitos
enfeites...
Por que você fez isto? E por
que você fez aquilo? Na verdade só pergunto por perguntar... O tempo já
respondeu tudo e agora eu rio. Rio de quão foi pequeno os seus destinos e como
a sua felicidade foi tão falsa. E por que não? ...
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