Pois aqui estamos, meu amor, num quase apocalipse de nós mesmos, na penumbra deste quarto como se fosse a própria realidade, dura, palpável, mas mais do que verdadeira...
Acenda um cigarro, jogue a fumaça na minha cara com aquele sorriso que só você sabe dar. Me chame para regiões mais distantes, onde a dor já morreu e o medo já se acabou...
Pegue aquela garrafa pela metade ali na mesa de cabeceira, preciso sentir-me como um rio onde águas correm, não me importando agora se turvas ou não...
Se achegue mais um pouco de mim, deixe que suas carnes macias toquem esse velho corpo que já vai embora aos poucos. O mesmo que abrigou o menino triste que morreu faz bastante tempo...
Coloque a sua perna em cima de mim, é apenas uma forma de abrandar o meu medo de perder o que consegui e que não abro mão até que o último dia enfim chegue...
Quero um beijo, um desses que duram uma eternidade, como só os filmes ou as novelas podem nos dar. Deixa eu sentir a sua saliva morna, que o mundo se acabe lá fora...
Reparte comigo o oxigênio da proximidade de nossas narinas, seremos como dois bichos que num respirar ofegante se preparam para uma luta que não haverá vencedor ou vencido...
É, meu amor, o mundo tem sido tão mal como sempre, as coisas complicadas como devem ser. Não nos matemos, pelo menos por enquanto, deixe que os outros enlouqueçam e acabem por se dar mal por coisas tão vãs e mesquinhas...
Deixe eu lhe falar, me lembrei de você hoje, não que eu não me lembre todos os segundos do relógio, mas é que foi tão diferente. Passei por um lugar hoje, tão meio triste que não sei se foi praça ou jardim ou até quintal, vi uma flor tão singela e tão diferente, lembrei de você...
Senti então uma dor lá no fundo do peito, um medo maior do que quando passo pelo corredor na madrugada. É medo sim, minha amada, um medo maior que o próprio mundo por saber que a morte levará um dos dois...
Se for eu, estrela, a saudade me matará pela segunda vez e pela primeira vez haverá uma alma morta assombrando os que já foram. Se for você, a dor me será tão grande ao ponto de transformar-me em algo mais triste que a própria tristeza e ela não admite concorrentes...
Por isso, chega mais perto de mim, isso, bem juntinha de mim, pelo menos agora. O sono já chega aos poucos, vamos então, tranquilamente, vamos dormir, pedindo ao destino que nos deixe ver a luz do amanhã, seja ela alegre ou não...
Nenhum comentário:
Postar um comentário