sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Voz do Povo

Canto no grito de carnaval dos loucos,
No escândalo formal das carpideiras, 
Dos poetas semianalfabetos de pele mulata
Agora queimada de inúmeros sóis!
O cerrado e a Serrinha todos juntos,
Golpes de muitos facões na cana-de-açúcar,
Gado tangido entre os espinhos das caatingas,
Nudez civilizada de índios e meninas do Leblon!
Sou a manchete das páginas policiais,
A roupa rasgada e o cochilo na calçada,
A bebedeira de ontem e a esperança de agora,
Diversos nomes desconhecidos que conheço!
O menino e seu joelho sempre ralado,
A menina e suas espinhas quase catástrofe,
O apocalipse dos pregadores na hora do rush, 
A quentinha transformada em dádiva!
Sou a voz de ontem e sou a voz de agora,
O malandro com o folheado no pescoço,
A praça de guerra acontecendo no subúrbio,
O candidato prometendo o que não vai fazer!
Campo Grande e Campo Grande e tudo mais,
Os trocados contados para o salgado e o suco,
A promoção de lindas cuecas falsificadas,
O que passa apressado no coração da cidade!
Sou o cara mijando no canto da rua
(Onde tantos também já mijaram um dia),
A puta pagando um lanche pro esfomeado,
O cachorro sarnento abanando o rabo!
Sou o carro entrando na contramão,
O espetáculo da batida agora inevitável,
A fumaça preta subindo para o alto
E que vai chegar até a fuça dos anjos!
Sou a geladeira que só tem água,
A compra de mês que já acabou,
Tá faltando no mistura pro almoço hoje,
Perdemos de ir na fila pra comprar osso!
O dente faltando na boca eu sou,
A barba por fazer pela falta de grana,
O infeliz que pulou do alto do prédio,
O viaduto que desabou agora!
Sou o protesto que acabou em confusão,
A moda sem sentido e sem estação,
A revolta calada em muitas bocas,
Os fatos da história escondidos!
Canto na boca de todos artistas,
Todas aqueles que choram pelos pobres,
Dos poetas loucos que escrevem em paredes
E profetizam pelos chãos de areia,
Todos os que voam do alto dos arranha-céus!
Sou a voz incansável de todos do povo
Que querem viver como brasileiros
Mas sobretudo como seres humanos!...

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