sábado, 24 de setembro de 2022

Cansado

Cansado, cansado de tudo, cansado de vez,

Cansado de ficar mudo, de sonhar todo mês...

De ficar pensando que pode acontecer a mágica,

Que o destino pode não terminar de forma trágica,

Que tudo poderá ter afinal um grand finale

E que não terá importância qualquer um detalhe...

Cansado de pensar que existirão diferentes fins,

Que as batalhas não foram assim tão ruins,

Que as esperanças não desesperaram um pouco,

E que, afinal de contas, eu não era apenas um louco...

Cansado, cansado de tudo, cansado e enojado,

Cansado de que o errado é certo, o certo é errado,

Que os que falam da realidade nunca a viram,

De espinhos agradáveis que somente me feriram,

De rimas ricas que já nasceram tão obsoletas

E de jovens complexados, vanguardistas e caretas...

As teclas estão apagadas e como me cansam,

Os meus gritos nem a extensão da rua alcançam,

O óbvio chegou para uma grande festa atrasado

E quem mais ganhou se acha tão desgraçado...

Maurício, mil vezes apenas um simples Maurício,

Até o sofrimento pode se tornar mais um vício,

Enquanto reclamas por não receberes as palmas,

O diabo recusa alguns milhares de inocentes almas...

Cansado, cansado de tudo, cansado e com vergonha,

Não te adiantou o álcool e nem adiantou a maconha,

Nem ao menos a súplica por todas as redes sociais,

Quaisquer lágrimas poderão ser as mais banais...

Prefiro não me lembrar daquilo que um dia foi bom,

Se tudo que envelhece acaba mudando de tom...

Seja inocente, seja incoerente, sujo e sublime,

Não esqueça de esconder a prova do teu crime,

A prova que tudo que é errado também é humano,

Que todo poema é simples indício do que é insano,

Que todos os versos podem e dão em nada,

Que tudo mais é mais uma dolorosa estrada...

Cansado, cansado de tudo, cansado de promessas vãs,

Cansado de madrugadas que não tiveram manhãs,

Cansado da turma, da tribo, de toda a cambada,

Do chute, do tapa, do esporro e da porrada,

Da mentira travestida da mais inocente sinceridade,

De falsos mendigos transitando pela cidade,

De uma ternura que apenas me incomoda

E da bondade que é apenas mais uma moda...

Estou cansado, mas cansado e cansado mesmo

De tantos tiros que dei e que foram á esmo,

De alguns que até me saíram pela culatra,

Instintos básicos como qualquer um primata,

Rimas inexatas, sim, qual é o problema? E daí?

Talvez tenha nascido velho e nem ao menos cresci...

Um vídeo pornô mostra um tesão que não existe mais,

Mais um idiota acena bandeiras pedindo paz,

Mostra uma esquerda que tem tesão pela direita,

Demonstra que só a idiotice pode ser perfeita...

Obrigado, já me enchi da mais barata nicotina,

Sou um velho sem coragem de ir até a esquina,

Meus dentes caíram, meus cabelos embranqueceram,

Minhas carnes por antecipação os vermes comeram...

Alguns jovens entraram nus em uma cena,

Nos mostrando que a vida é longa, a arte é pequena...

Cansado, cansado de tudo, do menino de franja na testa,

Cansado do fogo que agora devora a minha floresta,

Cansado de tudo aquilo que foi embora junto ao rio,

Cansado do calor excessivo e cansado também do frio,

Cansado de me exibir e cansado de me esconder,

Dessa casa cair e eu não ter tempo nem de correr,

Cansado do sorriso estudado e da nudez permitida,

Cansado de estar cansado e cansado da vida...

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