Carrego em mim todas as flores que morreram com o tempo. Elas não voltarão nunca mais até aqui. Meu olhar se perde em um nada que cobre toda a distância possível. Os dias tornaram-se nublados mesmo quando há sol. Bem-te-vis cantam solitariamente em bando. Isso lembra os dias em que passeava pela grande gare. Quase maltrapilho e pensativo sob os óculos embaçados. Já fazem muitos anos. Um tempo distante e de tanto engano. Ainda entorpecia-me com os disparates mais lógicos encontrados num velho tratado. Muitos foram embora e alguns ficaram. Só não os vejo mais. Minha imaginação anda agora por outras terras. Se são boas ou não. Isso já é uma outra conversa. Acabo me esquecendo das coisas mais básicas. Antes morreria por excessos e hoje morrerei pelas faltas. Quero ainda escutar velhas músicas. Perdeu a importância o que podem achar de tal feito. A minha preocupação me faz agarrar ao nosso tempo. Gostaria de fazer alguma coisa. Mas só posso chorar...
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Cada um tem histórias suficientes, mesmo quando seu tempo foi mais ou menos pouco. Segredos acabaram esquecidos em velhas gavetas e de lá talvez nunca mais saiam. Já as lápides, essas sim, gritam, gritam e muito. O laconismo é sua grande arte. Fazer simples cálculos pode gelar o sangue nas veias. Não caminhemos lentamente, isso faz um ambiente propício às reflexões. Pensar pode ser deveras perigoso para os problemas que atraímos para a nossa proximidade. Vida e morte alternam-se como luzes de um monótono pisca-pisca. Seriam um pirilampo bêbedo dentro de uma noite igualmente embriagada. Muitos sons chegam de longe, eu o sei. Mas esquecer pode ser um privilégio, não notar um outro mais ditoso ainda.
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Símbolos por todos os cantos, uns visíveis, outros não. Até a materialidade se rende aos seus encantos. O realismo cai em suas redes. Nada mais podemos fazer, senão aceitar. Ao avesso também, por falar nisso. É ruim poder enxergar demais, mas isso acontece. Com uma intensidade que veio de repente e quase nos joga ao chão. Quanto mais vejo, mais me desespero, eis a fórmula exata de ser feito um triste. Geralmente não lemos as letrinhas miúdas de contratos ardilosos que a vida faz conosco. Cheios de compromissos formais e desnecessários estamos. Cada descoberta parece mais um fracasso. A nossa normalidade se transforma em ridículo num banal passo adiante. Basta um segundo para que as cartas caiam de nosso castelo, até um sopro é dispensável, a força da gravidade já dá conta do recado. Eu sou o que sou, isso é muito preocupante se pensarmos bem. Só meus erros valorizam minhas tentativas, mesmo que me afogue em rasas águas.
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Um homem quando sobe em uma montanha, faz uma coisa comum, normal, normal demais por assim dizer. Quando consegue se encarar sem temor algum em frente ao espelho, esse sim, foi corajoso ao extremo. Ele reconhece que não é o mesmo que se mirou desde a última vez e, se desviar seu olhar por alguns segundos apenas, mirará um outro estranho que lhe tomou o lugar que estava ocupando. Somos a constante mudança, erros e acertos são apenas pequenos detalhes que não influenciam em nossas bobas estatísticas. As marés determinam onde vão nossas canoas e os furos nela são as consequências de nossas vãs limitações. Chorar em frente ao espelho é o mesmo que sair por aí gritando segredos inconfessáveis.
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Às vezes me sinto um grande mágico, mesmo quando falta a capa, a cartola e os bigodes finos com as pontas retorcidas. Meu espetáculo também é singular, não tenho truques na manga e tão pouco plateia para assisti-lo. Este é o grande segredo - sou um mágico do meu próprio silêncio, tal como existem muitos por aí. Ah, também não uso varinha de condão. Minhas mágicas são bem outras, consigo pegar as cenas no ar, como uma máquina fotográfica, e, de um momento para outro, transformá-las em palavras. Não sei se elas serão eternas ou não, mas isso é apenas um pequeno detalhe, versos são imortais por si mesmos.
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Dúvida atroz esta: estarei ou não ainda vivo? Não faço essa pergunta baseado em meu corpo, posso imaginar com certa clareza que minhas funções vitais funcionam mais ou menos bem. É sobre minha alma que assim pergunto. A tristeza é um veneno homeopático que as poucos se enraíza e cumpre o seu papel de matador. As desilusões abreviam nosso tempo, mesmo que não percebamos tal coisa. Há dois tipos de tempo: o tempo vivo e o tempo morto. O tempo vivo passa depressa, mas é compensatório, nele podemos enxergar todas as cores, nos deleitarmos com os mais diversos sons e sentir os perfumes de avivam nossos sentidos. O tempo morto é lento, mas por isso mesmo ilusório, irrita-nos sem motivo, todas as suas cores são um contínuo preto-e-branco de um gibi antigo com páginas arrancadas para que não entendamos a história, os sons são apenas ruídos preocupantes e seu cheiro é enjoativo como as flores vendidas nos cemitérios. Aquele nos satisfaz e poderíamos tê-lo quase que eternamente e não iríamos reclamar de maneira alguma; este é apenas a espera olhando um relógio defeituoso em que os ponteiros acabam se atrasando propositalmente. Eis então a eterna pergunta nos dias que atravesso: estarei ou não ainda vivo?
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Balões, foguetes, balões de gás, pipas, fumaça, tudo subia. E com eles meus sonhos mais loucos que iam para as nuvens. As balas que meu pai comprava, o algodão doce do parque, os doces da tia dele e dos de domingos de cinema. E gostos tão diferentes do amargo que levo na boca para todos os cantos. Cheiro das rosas do jardim, flores do meu pé de laranja lima, os cheiros dos passeios e dos dias frios que eu ia à escola. Sinto em mim a tristeza de novos dias, tão apáticos, tão impessoais, eu sou um estranho de mim mesmo, o estrangeiro que conhece quase todas as coisas e as gentes também...
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