quarta-feira, 10 de março de 2021

Não Há Mais

Não há mais urubus na primavera

 E nem cigarras por falar nisso

As promoções acabam hoje

E qualquer uma das poéticas morreu

Somos tudo que funciona às avessas

E a execração não foi para o condenado

Não há mais girassóis girando

E a bela voz acabou se calando

Na hora que a canção suplicava

Os barulhos do dia agora são banais

Mesmo as bombas que caem sobre meninos

Ou estampidos tirando qualquer vida

Não há mais necessidade de óculos

Porque cegos já vêm de fábrica

Os nossos sentidos estão falidos

A teimosia anda sumida do mercado

E todos os idiotas de plantão

Vão trabalhar até nas suas folgas

Não há moeda sem três lados

Nesse tão intricado labirinto

Onde vencedores e vencidos

Irão acabar no mesmo lugar

Não são muito poucas as vezes

Que socos doem menos que beijos

Não há mais rapazes latino-americanos

Fazendo protestos quase inúteis

E se hoje se esconder é questão tática

Viver uma brincadeira de mau-gosto

Em que anjos e demônios se uniram

E participam do mesmo banquete

Não há mais lógica na própria lógica

Quando a questão é apenas outra

Quem poderá respirar agora sossegado

Quando os venenos bailam pelo ar?

Todas as filas servem para ensinar

Como se comportar na última delas

Não há mais reticências para se pôr

Não há mais um leve desespero

Todos eles acabaram ganhando peso

Numa estética que faz até o ar rir

Porque a dicotomia vive falhando

A sujeira não está debaixo do tapete

Porque os miseráveis não possuem um

Não há mais como proibir o proibir

Quando até velhos ídolos se quebraram

O barro de Adão acabou apodrecendo

E as costelas são servidas no jantar

Faço votos que encontrem algum lugar

Onde tudo isso tenha uma resposta

Não há mais porque me alongar

O cansaço chega o tempo todo

E afinal de contas sempre perdemos

Mesmo antes da corrida começar

E alguém posso levantar o dedo 

E dizer que não há mais nada...

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