domingo, 21 de março de 2021

É O Tempo, Soraya, É O Tempo!

 

É o tempo, Soraya, é o tempo!

É esse gosto amargo que nos surge de repente, fazendo que um gosto estranho desça garganta abaixo feito queda d'água, mais que o próprio choro. Esse pode ter tido algum motivo plausível, aquele não, veio e ficou encruado em nossa alma e de lá não quer sair nunca mais...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

Que mesmo não sendo bruxo, sabe fazer muitos feitiços e acaba fazendo conosco, não percebemos, mas é a única verdade que não podemos refutar. Alguns sábios dizem que ele na verdade não existe, mas até o provarem, ele também os devorou sem que pudessem evitar...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

Ele puxa a vida e a morte pelo braço, pobre coitadas, não possuem força suficiente para evitar o seu puxão e assim vão aonde ele quer ir, pisam em pedras que queriam evitar. O tempo nos machuca, o tempo nos cura, mas só não pode deletar nossas cicatrizes guardadas em nossa memória...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

Que mesmo sendo a beleza, ao mesmo tempo não é pois carrega em si, a beleza das flores, mas esmaece a tinta das paredes, até que não sobre mais nada, apenas alguns pesadelos. Ele vem com seus bolsos cheios de esperanças vivas e suas mãos cheios de folhas amarelas...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

O amanhã de ontem é o hoje, lógica inquestionável que nos agride sem nos tocar um dedo, não necessitamos de flechas ou lanças para que isso entre em nossas carnes em um golpe final. Não existe natureza que impeça nossa saudade, tudo não passa de um grande rio...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

Quando chegamos ao quase fim, adquirimos as mais improváveis manias, a insensibilidade quase nos toma por inteiro e agora o paciente deita em seu leito de doente olhando algumas nuvens que na janela ainda podemos ver. Nem veremos nosso último suspiro...

É o tempo, Soraya, é o tempo!

E o verde azulado dos teus olhos não é mais o mesmo, agora eles não mais fixam a mesma fantasia de antes, seguem fixos em alguma escuridão que está chegando com o fim de mais um dia qualquer. Embale a boneca que ainda tens no braço e a coloque para dormir, minha velha menina...

É o tempo, Soraya, é o tempo!


(Extraído do livro "Muitos Dias Já Passaram" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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