sábado, 19 de fevereiro de 2022

Mamãe, Me Matei!


Mamãe, me matei...

Mas não se preocupe, continuo vivo, bato cartão de ponto todos os dias, meu chefe continua sendo meu dono, um filho-da-puta que nem sabe que acima dele existe uma outra fera que o utiliza também como um fantoche...

Mamãe, me matei...

Não precisa se desesperar com isso, continuo respirando o mesmo ar sujo, meu coração continuo batendo aflito pelos sonhos que não tive, assim como todos os outros infelizes que também sonham por algumas obviedades...

Mamãe, me matei...

Não se fantasie de carpideira, a morte é apenas uma importante banalidade, uma invenção bem bolada, para que a nossa saudade continue de vez em quando nos afligindo pedindo a continuação de nossa tristeza...

Mamãe, me matei...

Como sou covarde, não me atirei do alto de um prédio ou me envenenei, não espalhei meus miolos pelo tapete da sala, nem tão pouco me pendurei que nem quem macaco, tentei ser honesto e os honestos acabam se fodendo...

Mamãe, me matei...

Não haverá enterro, nem serei cremado, faço parte de um bando bem pequeno de mortos, mortos que dispensam aparecer na mídia feito boçais, acabei descobrindo que, apesar de tudo, ainda tem um pouco de sensatez...

Mamãe, me matei...

Estranhamente sai da fila chata, tentei ser mais dono do meu próprio tempo, do pouco tempo que humanos possuem, para olhar mais as cores que acabei esquecendo que existiam um dia desses e que importavam bem mais...

Mamãe, me matei...

Apaguei meu nome da lista dos que desejavam afligir as outras pessoas, ser chato com o vizinho, ser um mau amigo, não possuir amor pelos poucos que me amaram, tentei ser uma pessoa melhor do que, na verdade, não sou...

Mamãe, me matei...

Parei de beber, estou tentando parar de fumar, faz muitos anos que não me drogo mais, tento ser menos um numa multidão de aflitos, aflitos que não percebem suas aflições, estão mais atentos para com as ilusões que ferem sem mostrar...

Mamãe, me matei...

Esqueça de colocar luto, as noites já estão todas escuras, matamos todos os pirilampos e tapamos as estrelas, todas as luzes dos postes foram quebradas, os boêmios estão dormindo em seus quartos, esse tipo de poesia não existe mais...

Mamãe, me matei...

A senhora soube meio atrasada, já estão providenciando a minha sétimo dia, não será preciso que lembrem de mim com elogios, sempre fui e serei mais um cara medíocre, mais digno de críticas do que de falsos elogios...

Mamãe, me matei...

Mas não se preocupe, continuo vivo, na mesma escravidão de sempre...

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