quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Noturno Sem Noite

tempo de aparências ou tempo de insegurança?
Esfrego as mãos nos olhos por simples e puro hábito, não adianta, a irritação só aumenta. Não sei mais ler os signos como fazia antes e todas as mágicas já falharam. Não quero mais varinhas de condão e a velha capa está pendurada armazenando poeira.
Quanto mais comum, mais estranho sou...
Não por sadomasoquismo, mas por pura frequência, as dores não mais me surpreendem. Camas de pregos, tapetes de viro e balas acertadas no alvo são o que mais comum existe. A maior das surpresas é quando tudo vai bem...
O tempo nada envelhece, a tristeza sim...
Os demônios estão tristonhos, já não podem mais exercer seu ofício, algo bem pior agora anda sob o sol e paga seus impostos regularmente. Tudo agora obedece as regras, as regras são as mais malvadas possíveis...
O meu cérebro falhou, é defeito de fábrica...
Em cadeia nacional os canalhas mostram que são também céleres tolos. Uma coleira invisível nos leva aonde ela quer, geralmente damos inúmeras voltas no quarteirão e não chegamos em lugar algum, somos palhaços sem fantasia e sem rosto pintado...
Amargo, salgado, azedo, o doce acabou...
O faraó perdeu a alma que não temos, manda pedir sinceras desculpas. E promete que logo que for possível nos mandará alguma se os correios não entrarem em greve e os fabricantes não falharem nas encomendas...
Pedintes, sujos, famintos, somos quase todos...
Completamos nossos cursos de covardia, penduramos os diplomas na parede da sala de estar, agora sim, somos cidadãos de bem. Já podemos virar o rosto com tranquilidade para o outro lado e irmos em direção ao nada...
Igrejas, escolas, cadeias, puteiros, apenas variações...
Faltou-me mais um pouco de loucura e por isso mesmo enlouqueci de vez. O otimismo segurou minha garganta e a apertou até que eu perdesse os sentidos e quase não voltei. Quando o comum e o incomum se misturam começa a grande contenda...
Se falo a verdade, corro um perigo perigoso...
Eu me sobrecarrego das drogas mais perigosas e mortais, coloco a munição e espalho muitos tiros. Não sei quantos desamores matarei, mas acertarei alguns. As paixões são ótimas instrutoras e eu fui um aluno bem aplicado...
O veneno entrou em minhas veias e morreu...
Meu analista quando me vê, sai correndo e se esconde logo. Sou excêntrico demais e detesto certas unanimidades, não consigo, é mais fácil carregar pedras de cem quilos o dia todo em tardes de verão. Encaro com seriedade todas as brincadeiras...
Está tudo escuro em volta de mim...
Não sei se é noite ou se é dia, por isso mesmo assim me arrisco em fazer um noturno sem noite...

(Extraído do livro "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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