segunda-feira, 29 de abril de 2013

Teias, Todas as Teias


Todas as teias, todas elas, numa trama infindável que o destino apronta. Segredos no sótão, fantasmas no porão e medos em cada armário. Páginas de um velho livro de família trancado num cofre. É a poeira do tempo que se acumula em velhos dramas, manchas antigas que nunca vão se apagar. É a roda dos órfãos que gira, sonhos mortos que não ressuscitam, mas que a terra não quer o corpo. As aranhas perambulam pelo espaço, terríveis predadores de cada instante, serenas em sua maldade e frias em seu cálculo mortal. Tome cuidado, meu amigo, somos suas presas favoritas. As pedras estão esperando que as destrua por muitos e muitos tempos, as idéias estão em seu próprio lugar, mas nós, nós seres humanos, nós que rimos até de nosso choro, somos suas preferidas presas. Não escapamos de seu bote certeiro e, ainda hoje mesmo, ajudamos a compor suas tramas. Suas armadilhas nos levantarão do chão e ali ficaremos nos debatendo até não poder mais. Ao contrário dos insetos, não sugarão nosso sangue, não nos deixarão secos e imperceptíveis até qualquer dia desses na parede, mas nos debateremos cada vez mais, sem gritos, em qualquer canto possível, sem loucura aparente e, aparentemente sem medo algum, até que o nada nos ache. Todas as teias, todas elas, numa trama infindável que o destino apronta. O automóvel que partiu segundos antes, o encontro atrasado em alguns minutos, o rosto que não foi reconhecido, o beijo que não foi dado, a palavra que foi mal interpretada, a chance que escapou, o riso que não veio, a lágrima que não secou, tudo aquilo que não queremos, tudo aquilo que ninguém pediu. Todas elas, uma a uma se acumulando na contabilidade de nossos pobres corações. Sem versos que os enfeite, nem poetas que os consolem, nuas e cruas paredes pintadas de cal que o tempo sujou, paredes de abandonada casa invadida pelo mato. Todas as teias, todas elas, numa trama infindável que o destino apronta. Que não conhece regras, que não respeita lei alguma, sem temporada ou estação alguma. É a música feia repetida na única estação que o rádio velho sintoniza. É o samba-enredo sem avenida, pois o carnaval já se acabou, chegou atrasado ou se sabe lá o quê. As fantasias estão com suas cores desbotadas, os foliões estão em luto, as carpideiras agora mandam. Tudo é leve como o chumbo, a brisa areja como num túmulo esquecido por entre flores murchas ou de papel machê. Entreguem suas armas, senhores, a batalha acabou antes do tempo, nenhum tiro mais será desferido, é inútil desviar a água de seu caminho para o mar, inútil parar os relógios para enganar o tempo...

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