Faz tempo que eu sonhava
com águas. Foi assim: na casa da minha tia tinha uma vista. Era um morro e além
da casa da frente que hoje não existe mais, existia água. E quando íamos à casa
da minha vó, além da rua, depois do mato, também havia. E aquelas águas, tão
diferentes e tão iguais, eram as mesmas. Não eram o mar que eu conhecia de vida
e morte, não eram grandes e nem eram bonitas, mas eram água. E como não vieram,
não passaram. Estão no mesmo lugar, calmas e calmas, esperando à hora de saírem
do meu peito.
Faz tempo que eu voava.
Não com asas que não tenho, nem a coragem que não quero. Eu fecho os olhos e a
mesma se repete. O medo da altura se transforma e lá vou eu. Não há asas, mas
casas e cadeiras voam comigo. Não há tempo, mas ele se faz meu aliado em todas
as minhas diabruras. Não há medo. E o medo é um desenho mal feito que eu passei
a borracha e apaguei.
Faz tempo que eu descia
escadas. Com uma alegria que nunca tive. Eu não descia na verdade. Eram
escorregadores da escola ainda não morta. Ou de morros imaginários que não
davam medo. Escadarias que não me machucavam. Escorregas em que a vida era só
riso, sorriso, meu riso, sem risos antigos que zombavam de mim. Sem a queda no
cinema de um tempo de pressa sem a minha voz.
Faz tempo que eram mágicas. E os imãs eram constantes
de minhas mãos. Vejam os meus truques, respeitável público. Eu estou treinando
e juro que vou melhorar e, se por enquanto é só isso, em breve serão montanhas
e não pequenos objetos que andam na mesa. Eu sei que é bem diferente, mas assim
é até com cópias em série.
Faz tempo que faz tempo. E
assim o seria mesmo se não fosse. Um tempo em que cachoeiras tinham lamas. E
caminhos não escolhiam suas próprias palavras, mas não importava porque nem
falar podia. E a mente e somente ela servia de companhia para um desespero sem
precedentes...
Nenhum comentário:
Postar um comentário