quarta-feira, 1 de julho de 2015

Insaneana Brasileira Número 75 - Diálogos entre Mingos e Mangos


São belas histórias que eu nem sei bem contar. É o mundo. Com suas carreirices e sutaques que nem te conto. Aí vêm também as histórias feias. Tudo tem que existir num dado momento. É por aí. E não é por nada. A descobrice é quem manda. E mesmo que falando não dá certo. Faceirice muita. Cada qual com seu sol. E com suas estrelas mais que apagadas. Aqui se briga por tudo e por nonada. 
- Oi, bom dia! 
- Oi, tudo bem?
- Bem que nada! Olha o mundo...
- Que que tem o mundo? É ansim mesmo...
- Ansim a como?
- Desse jeito que ocê tá vendo aí...
- Ah, tá... Mas eu lá não me conformo...
- Mas devia... Se nasce agorinha, minutinho seguinte, esticou-se o pernil... Carpideiras precisam comer... E os gatos-pingados idem...
- Que comam pra lá, uai!
- É o prato do dia... É o prato do dia...
- Que prato que nada! Empurro com a barriga e o carro anda...
- Anda se tiver gasosa, meu vizinho. No resto é a coisa...
- Que coisa?
- Quatro cavaleiros sem pôneis, mas também não são pangarés. E correm...
- É... Mas de vez em quando acontece...
- Acontece o que?
- Da carne vir no entremeado, meu bom. E aí lambisca e lambuza...
- Pode até ser, mas no geral, caiu na arapuca, vai pro espeto...
- Isso até concordo, mas a teimança é grande, maior que o beleléu, sabia?
- É porque todo mundo quer parecença com a novela...
- Nem me fale, a sala é a solidança acompanhada...
- E parece que todo beijo dá certinho...
- Pois é, mas tem vez que o dentista dormiu e esqueceu, aí não tem pintor que salve... Nem Picasso, nem Dali, nem de lá...
- É nos conforme, filósofos saindo pelo ladrão sem tico nem taco...
- Sim, sim, sem um tiquinho de blusa com bico apontando...
- Nem me fale, nem me fale, tem coisa que prefiro a esquecença.
- Sá Ninha tem toda razão.
- E se tem! Melhor um chazinho num canto sossegado que brigar pelo boi. E não é covardia não! É estratégia de guerra, deixa o modismo morder o próprio rabo que nem a peçonhenta no lugar quente...
- Pois é, tudo que dá certinho é tudo que deu errado...
- Sim, sim, gastejo de material, tudo é novidade nova, mas velha. É pra nada... Gasto de cor e almejo...
- Até o de boca é ansim... Quando menos se vê, caiu no buraco, tudo é frechada e poe frechada nisso. Quanto mais juntos os dentes menos prejuízo...
- Sim, sim. A verdade é pancada bem dada... É teco no lombo e lombeira. Quem tá na fila?
- Uns poucos, porque dormir sem sono é o tal. Quando se viu fechou as butucas e contar carneirinho nem percisa. Passou de um é pulo no abismo. Nem tem recibo isso tudo. Nem mais-valia. Recebido o convite, a festa é certa. 
- E poe festa nisso. Esqueceram que era velório e babau. Não se comemora certas coisas, a burrice é muita. 
- Pois é, nem carrasco, nem encarrascado, tudo vai pra peneira. Que nem aquele arroz que Ziquinha enfestiado faz no domingo que chegam bons ares. Comemos tudo, carreteiro dos bons...
- Favela e cidade tudo na mesma malha, pobreza que nem lastrinha, vem e vai na mente e no peito de qualquer, mais batuta que seja. Luxeza não dá ganho, mas acaba dando. Ninguém reza padre-nosso sem ave-maria. O casaco é do dono e a tartaruga sabe que casco tem. O corcunda desfila de vem enquanto em concurso de moda.
- Pois tá. E ainda assim tem quem fale. Bigodes à parte e tonteiras de não. Na verdade tudo é doutoreza que manda e nem manda mesmo.
- Mas como tudo é motivo de festança até quando se chora. Carnaval de muitos choros e ventos de se perder a conta de quanto conto que foi. Nem o cabelão resistiu. É vento! É vento! É vento!
- E ventos não são bons e nem ruins. São o que são. No mar então... Do nada se tornam tudo. Noite adentro no meio do nada. Só escapam as estrelinhas.
- Estrelinhas são boas. E novidades de camelô mesmo que num forçamento bem baratim. E que o seja. Tudo amanhã é objeto não-identificado. 
- E aquelas que explodem, então? Tudo tão nito, mas esparsado e sem pé nem bêça. 
- Antão? E aquela monteira de vela acesa? Tudo é fogo e a fé desliga a tomada. Fica tudo no escuro mesmo na luz e escuro é tudo igual. Tem quem mexa, mas não dá certo. O Cara lá reclama e não escutam ele, pobrezito. São cada quiabo na boca do Camonico. 
- E a briga? Todo mundo chama e sai de pé na bunda. Bate até na nuca. E vamos que vamos. Tudo ao contrário. Meninos andando de costas e caindo no chão. Raladura muita. E nem foi no joelho. Na testa mesmo. E um arrependimento vazio e sem volta. 
- Como assim? 
- Simples. Folha de papel ofício. 
- Continua...
- Qual lado do papel? Não tem. Gregos e troianos. Peões e reis. Todo mundo certo e sem razão alguma. Qualquer cor é uma letra só à mais. Tudo ardendo e doendo igual. A mesma manha. Fábrica de bandeiras. Parece até varal de roupa em quintal... Tacaram fogo nas folhas secas e sujou tudo...
- Ah, isso é...
- Querem tanta lei pra não cumprir nenhuma...
- E nem seguirem os desenhos juntando os pontinhos...
- Exatamente.
- E nós que sozinhos vamos nunca paramos. 
- Sim, sim.
- Margens do lago e cana boa na goela. Madrugadas bem aproveitadas num riso só nosso.
- E muitas estrelas acesas com o isqueiro ou com fósforo mesmo. Que nem velas de bolo ou da brincadeira dos antes. Eu me lembro destas com um cadernico anotado. 
- E um sono molesto, mas bom demai. Incontáveis dedos de vezes. De fazer rir no engasgo.
- A conversa foi boa, meu abure, vamos na repetência dia desses...
- Feito o trato. Agora vamos, Sá Ninha espera pra comença, e se se atrasam a velha é pior que jiló caprichado de vamos repetir.
- E não sei? Depressa é vagar...
Conversam os homens e conversam ainda. Eu quase não sei de nada à não ser aquelas que os olhos falaram e a dor ainda continua em todos os cantos. Velhas músicas e círios ardendo numa solenidade bem ensaiada. Eu queria era ser um anjo...

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