terça-feira, 28 de julho de 2015

Insaneana Brasileira Número 78 - Lixo e Lixos


Cada papel é uma nítida história. Sem enredo. Sem personagens. Que parou esperando a morte que já veio faz muito tempo. Não há para onde correr. Cada canto existe uma nova armadilha.
Cada brinquedo quebrado é um suspiro num peito desconhecido. Um menino que perdeu o riso. Novidades que envelheceram antes do tempo. Como foi bom mesmo quando não foi. Era tudo que se pode guardar sem tempo.
Cada jornal uma manchete morta. Que os moradores da rua deitem em cima. E os cães usem como prato. A rua se enche. Em cada noite há um Jesus crucificado novamente. E uma Madalena que não se arrependeu. E um Judas com os bolsos vazios e sem culpa.
Cada resto de comida um desejo. Uma boca cheia ou quase cheia. Num grande cortejo de humanos não mais humanos. O que dá vida também mata. E a que sustenta a alma pode colocá-la entre os bichos. Nada mais triste que a fome.
Cada pedaço de pano uma vaidade falida. Um sonho que morreu alvejado. São cores e vaidades ao léu. Podendo ou não. O tiro acertou na mosca. E toda nudez será somente olhada. Furtivamente. Se possível pelo buraco da fechadura. Sonho de menino e masturbação.
Cada monte uma montanha. Quase chegando aos céus. Como se os pombos se tornassem urubus. E cada mal cheiro um perfume novo vindo de não sei onde. É a dádiva da cidade. O ganha-pão dos que tem menos. E a burrice humana em forma concreta e exata.
Cada canto. Cada sombra. Cada poesia formada de antiversos. Um mundo destroçado por uma guerra sem declaração. O quase-humano e o mamulengo malvado que dá sustos. O choro da criança. A desesperança do velho. A maldade do novo. O feitiço mal lançado. A rotina do carrasco. O passatempo do serial killer. E o quinto cavaleiro que chegou atrasado...

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