Arma na mão
e um mundo mais perigoso lá fora
feito de maiúsculas incontáveis
A velha contradição
acabou de lubrificar
todas as suas velhas engrenagens
Milhares são
de meninos perdidos em seus
efêmeros pontos de vista
Eu choro até quando durmo
e esses soluços que escutam
são doces pesadelos
A morbidez entranha-se
pelas minhas carnes
e acaba me dando sustos
Gostaria de tapar meus ouvidos
e retirar as cores
a vida é agora filme antigo
Decerto a morte
(companheira inseparável da vida)
faz todas as lições de casa
Cenas e cenas e cenas
sua velocidade inatingível
apenas me confunde mais
Eu queria gritar
mas não sei se devo
e minha mudez é quase santidade
Dou um tiro sem munição
e ar é meu aliado
para estranhas canções
Não sei nada mamãe
não sei mais nada
aliás nunca soube
Minha inocência é milenar
e sua poeira é venenosa
como toda mesmo é
Me esqueci desculpem
a minha sentença
no bolso da outra calça
Rosas agora dão medo
e os cravos talvez sim
mas talvez não
Juro minha inocência
até que o tempo
escorra pelas paredes
Estou aflito
como qualquer mortal
ainda mais que não morrerei
Não enfeitei a casa
para que ocorresse a festa
e tudo virou um funeral
Não pude evitar
de que a rudeza
me invadisse feito tsunami
Foi quase nada e nada
do que sobrou do jardim antigo
onde tudo já existiu
Me deixem pelo menos
a memória de tudo
e não apaguem meus arquivos
Proibidas cenas
um café à mais
e o cigarro que quase não acendi
Não temos agora
isso é uma ilusão
só o ontem e o amanhã estão aqui
O destino é uma piada
que o comediante
não queria contar e contou
O palhaço fez piruetas
mas acabou falhando
e caiu pelo chão
A musa espirrou
na hora errada
e nem tinha lenço
Uma vez por semana
me visto de preto
para lembrar-me vivo
Toda filosofia caducou
envergonhada ficou
diante de um prato de comida
Toda reza calou-se
diante da morbidez
de uma fé inútil
Nem mesmo velas acesas
adiantam alguma coisa
perante nossa escuridão
Aniquilo-me totalmente
um dia sim um dia não
de acordo com o freguês
Escondo-me frequentemente
atrás de invisíveis portas
que minha mente constrói
Os gatos são anjos de bigode
que esperam com paciência
nossos frequentes tombos
Não existe mais razão
para consertarmos
os brinquedos quebrados
A casa toda desarrumada
os tênis jogados num canto
a cama de solteiro pra dois
Os desafios do tédio
como uma goteira
que teima em continuar
Não compro mais jornais
não coleciono mais domingos
e apenas posso chorar
Não esqueça o like
deixe ali a bike
terremotos também passam
Tudo estremece agora
muito além das possibilidades
de uma fantasia maliciosa
Nomes comuns
não são tão comuns
dependendo de onde
Quero reinventar
brinquedos antigos
e antigas cirandas também
Rebecas e Manuéis
ainda andam na corda bamba
e se assustam sem susto
O velho rádio ressuscitou
traz notícias impossíveis
não há mais sangue no chão
Eu não sou um novo Cristo
mas não me pendurarei
em qualquer uma árvore
Um cigarro no portão
e as intermináveis celas
compondo a paisagem
Toda cor agora é negra
sob os olhos da miséria
que tudo domina
Arma na mão
e um mundo mais perigoso aqui dentro
letras minúsculas de um contrato sujo...
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