quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Um Poema Sem Maldade

 

Arma na mão 

e um mundo mais perigoso lá fora

feito de maiúsculas incontáveis

A velha contradição

acabou de lubrificar

todas as suas velhas engrenagens

Milhares são

de meninos perdidos em seus

efêmeros pontos de vista

Eu choro até quando durmo

e esses soluços que escutam

são doces pesadelos

A morbidez entranha-se

pelas minhas carnes

e acaba me dando sustos

Gostaria de tapar meus ouvidos

e retirar as cores

a vida é agora filme antigo

Decerto a morte

(companheira inseparável da vida)

faz todas as lições de casa

Cenas e cenas e cenas

sua velocidade inatingível 

apenas me confunde mais

Eu queria gritar

mas não sei se devo

e minha mudez é quase santidade

Dou um tiro sem munição

e ar é meu aliado

para estranhas canções

Não sei nada mamãe

não sei mais nada

aliás nunca soube

Minha inocência é milenar

e sua poeira é venenosa

como toda mesmo é

Me esqueci desculpem

a minha sentença

no bolso da outra calça

Rosas agora dão medo

e os cravos talvez sim

mas talvez não

Juro minha inocência

até que o tempo

escorra pelas paredes

Estou aflito 

como qualquer mortal

ainda mais que não morrerei

Não enfeitei a casa

para que ocorresse a festa

e tudo virou um funeral

Não pude evitar

de que a rudeza

me invadisse feito tsunami

Foi quase nada e nada

do que sobrou do jardim antigo

onde tudo já existiu

Me deixem pelo menos 

a memória de tudo 

e não apaguem meus arquivos

Proibidas cenas

um café à mais

e o cigarro que quase não acendi

Não temos agora

isso é uma ilusão

só o ontem e o amanhã estão aqui

O destino é uma piada

que o comediante 

não queria contar e contou

O palhaço fez piruetas

mas acabou falhando

e caiu pelo chão

A musa espirrou

na hora errada

e nem tinha lenço

Uma vez por semana

me visto de preto

para lembrar-me vivo

Toda filosofia caducou

envergonhada ficou

diante de um prato de comida

Toda reza calou-se

diante da morbidez

de uma fé inútil

Nem mesmo velas acesas

adiantam alguma coisa

perante nossa escuridão

Aniquilo-me totalmente

um dia sim um dia não

de acordo com o freguês

Escondo-me frequentemente

atrás de invisíveis portas

que minha mente constrói

Os gatos são anjos de bigode

que esperam com paciência

nossos frequentes tombos

Não existe mais razão

para consertarmos

os brinquedos quebrados

A casa toda desarrumada

os tênis jogados num canto

a cama de solteiro pra dois

Os desafios do tédio

como uma goteira

que teima em continuar

Não compro mais jornais

não coleciono mais domingos

e apenas posso chorar 

Não esqueça o like

deixe ali a bike

terremotos também passam

Tudo estremece agora

muito além das possibilidades

de uma fantasia maliciosa

Nomes comuns

não são tão comuns

dependendo de onde

Quero reinventar

brinquedos antigos

e antigas cirandas também

Rebecas e Manuéis

ainda andam na corda bamba

e se assustam sem susto

O velho rádio ressuscitou 

traz notícias impossíveis

não há mais sangue no chão

Eu não sou um novo Cristo

mas não me pendurarei

em qualquer uma árvore

Um cigarro no portão

e as intermináveis celas

compondo a paisagem

Toda cor agora é negra

sob os olhos da miséria

que tudo domina

Arma na mão 

e um mundo mais perigoso aqui dentro

letras minúsculas de um contrato sujo...

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