Escuto a madrugada em meus ouvidos. O silêncio da noite é um tango que acabou dando errado. Mesmo assim eu escuto. Com a solenidade que só os desesperados possuem. Eu nem tropeço mais. As minhas pupilas dilatam como as de um felino habitante de impossíveis malícias.
O zoom da minha câmera falhou na hora exata. Não há mais sonhos e nem peixes em sonoras redes. O menino que eu era acabou de fazer caretas no espelho quebrado. Nada mais importa. Talvez se o tropeção me der mais impulso. Eu voe para bem longe daqui.
Os grilos fazem coro com os bacurais. Eis o meu medo em outras noites mais amenas quando nada tinha. E mesmo assim era o dono de todas as coisas que estivessem ao alcance da mão. Eram mágicas que eu não percebia. Mas mesmo assim eu era o seu autor. Eu era o senhor de todos os prodígios.
Sinto os cheiros mais diversos como um cão farejador. Não ha mais caça. A caça sou eu mesmo. Não há mais presa. Eu mesmo teço minhas armadilhas. Como quem mente dizendo que espera a morte. Até quando dizemos a verdade estamos mentindo. Nenhum espinho é motivo de aplausos. Nossas vaias estavam em falta.
As correntes quase enferrujadas rangem. Eis a minha teimosia feito maré que leva e traz todas as ilusões. Juntei todos os ingredientes possíveis para fazer a poção. Mas a magia não teve efeito algum. A própria realidade acaba se desconhecendo.
Vaga-lumes e cigarros agora se confundem. Somos quase humanos quando tentamos. O choro iguala todos. O riso nunca faz isso. Quantos cadáveres estreitei em meus braços. Cadáveres que respiram. O papel-moeda sempre cumpre o seu papel. Sempre fere de propósito. Nunca sabe pedir desculpas.
Eu já gritei tantas vezes! Mas a surdez continua na moda. Nunca me escutaram. Falei coisas tão compreensíveis. Deve ser por isso que fui desprezado. Nada mais resta. Pelo menos para mim. A esperança é a última dose no fundo da garrafa. Um suor alcoólico escorre em meu rosto. Principalmente nos dias de mais frio.
Eu quase tenho um desmaio qualquer. Sou vampiro e esqueci onde coloquei meu caixão. A noite desfalece aos poucos. Minhas presas agora se contraem com um bom sorriso burguês. A luz aos poucos surge me aterrorizando. E como um zunido. Um vento mais forte. Começa o dia....
(Extraído da obra "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).