terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Céu para Os Cães (Miniconto)

Deve existir um céu para os cães. Para os homens, isso eu não sei. Poucos merecem isso, então por que fazer um espaço tão grande pra tão pouca gente? Mas para os cães tenho certeza, ah, isso eu tenho. Tia Ruth deu você pra mim, não me lembro se era filhote da Lambreta, mas foi ela que me deu, isso é quase certo. Papai lhe deu o nome de Lassie, apesar de ser uma cadela, coitado, ele pensou que era um cão e lhe deu, apesar de ser mestiço, parecia mais com um pastor alemão, deveria ter sido Rim-Tim-Tim, mas não foi. Você foi um dos únicos amigos meus de infância. Nunca me machucou, não zombou da minha cara, sempre que eu queria me agradava e brincava comigo. Nunca me pediu nada em troca, só carinho, atenção e um pouco de comida, já que naquele tempo nem se vendia ração para cães nas lojas, pelo menos nas daqui e um simples lugar pra se abrigar. Pena que papai teve aquela ideia idiota de lhe colocar numa corrente passeando por cima do muro da dona Amália que no nosso lado era mais baixo. Fomos para São Gonçalo passar uns dias e quando chegamos você tinha pulado pro outro lado e acabou enforcado por uns poucos centímetros. Ser humanos só fazem merda mesmo. Eu me lembro que chorei muito, hábito que não perdi até hoje, mesmo passados mais de meio século. Você deve estar bem, muito bem, lá em cima. Quem sabe me deixam ficar pelo menos na porta pra poder lhe ver um pouco? Chorei novamente ao escrever isso...    

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Não Gaste O Sal

Não gaste o sal,

Economize suas lágrimas...

Não se trata de ser insensível,

Os falsos choram,

Mas nem sempre isso é verdade...


Quase tudo pode ser motivo de riso,

De sorrisos pelo menos...

A vida não é boa? 

Pois ela lhe ofereceu o que podia

Para poder ministrar suas lições...


Não gaste seu tempo,

Com futilidades nunca...

Todo tempo acaba um dia,

Não se arrependa de tê-lo gasto

Com o que valia mais a pena...


Sonhos não são futilidades, 

São nossas maiores realizações...

Todos os malvados são apenas tolos

E quando cerrarem seus olhos de uma vez

É que perceberão o que perderam...


Não jogue fora a ternura que tem,

Toda ternura é um bem precioso...

Observe os grande mestres do mundo

(As crianças, os velhos e os bichos)

E não pense duas vezes em usá-la...


Muitas regras tolas que são impostas

Apenas nascem para serem quebradas...

A sensibilidade perante o que é bom ou belo

Faz parte da nossa real natureza

E se a mudamos é por nossa conta e risco...


Não gaste o sal,

Economize suas lágrimas...

Não se trata de ser insensível,

Os falsos choram,

Mas nem sempre isso é verdade...


Chore principalmente de emoção

Ou simplesmente de alegria...

As tristezas se não vão embora,

Pelo menos se afastam

E para bem longe...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Bonés com Hélices


Espirais em formato de espirais

Machados manchados com manchas

Cativos com cadeiras tão cativas

Muitas cáries acabam dando olá

Nunca tão sujo como hoje em dia

Toda dificuldade se torna tão fácil

Tocamos pandeiro como um violino

A sua psicopatia veio para o jantar


Conto até três para vir o terceiro

Eu não perdoarei nem mesmo o perdão

Desconfiar é também forma de confiar

É tão chique ir comer lá no chiqueiro

Eu bebo cachaça com gasolina sempre

Tem um belo condomínio lá no inferno

Compramos um saco de socos ontem

E margaridas hostis para nosso café


Letais mesmo eram os dias sem guerra

Na batalha de confetes saíram feridos

Meias manchadas de goiabada em estoque

Juro que nunca falei um palavrão porra

Tenho um amuleto cego que enxerga muito

Controlemos as nossas idiotias mais sociais

Quem não gosta daqui que vá embora logo

Cemitério nunca foi hotel de cinco estrelas


Cada poeta é mais um pateta de unhas sujas

O perigo estará nos ventos que forem fracos

Usemos verde-palha para empalhar a palhoça

Estou com medo de ir até na minha esquina

Para os rudimentos somos tão rudimentares

Ela bebeu um canecão de vinho com os olhos

Hoje teremos uma panelada de muitas panelas

E uma boa martelada bem em nossas cabeças


Rima é coisa para quem é rimante de rimas

Vimos ontem um elefante que dançava xaxado

Tem gente caprichando na sua própria morte

Comeu uma lata de cera com arroz e repetiu

Estamos em dúvida se comemos merda ou bosta

De agora em diante só durmo de cigarro na boca

Nada melhor para os pés que sambar na brasa

E dar cabeçadas na parede até cairmos duros


Comida malfeita mesmo assim ainda é comida

Lançaram um livro sobre a arte de coçar o cu

Perambulemos no topo destes arranha-céus

Vamos pedir esmolas na porta do Banco Central

Esperto é o cachorro que come e vai embora logo

Temos onças de todos os tipos até as voadoras

O camarão está fresco foi pescado há cem anos

A família imperial só está bebendo a Império


Comprei um belo casaco feito de pura cortiça

Agora é moda comermos manga frita no azeite

Vou ali comprar uma lata de farofa e já volto

Um siri cozido e um bocado de angu como meta

Menino veste rosa e menina veste azul sempre

O céu nada mais é que o limite atroz do chão

Eu e essa minha eterna fama de ser anônimo

Tem um elefante escondido atrás daquele bambu


(Extraído da obra "O Livro do Insólito e do Absurdo" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Blood On The Rocks

Camisas antiquadas com logotipo

De grandes e poderosas marcas,

Eis a colisão brusca e mais violenta

Entre carros brutos e imaginários,

Ritual de um canibalismo inventado

Para manhãs mais pálidas e insólitas...


Todos os sábios terão de ser humildes

Ou apenas serão petulantes solitários,

Eis a grande contestação de teoremas

Em momentos de lúcida embriaguez,

Nosso aparelho celular nos dará dicas

De como ser mais idiota sem nada fazer...


Cabelos azuis para louras estonteantes

Dormintes em meu pobre leito de doente,

Eis que vem surgindo entre estas ruínas

Gestos bondosos das putas mais vulgares,

Entre todos os churrascos gregos fatais

Sou o único sobrevivente que há no Guiness...


Lá vem o batalhão de miseráveis penitentes

Pagantes de seus pecados na primeira classe,

Show em praça pública de segredos mais vis

Da quebra de ídolos antes tão inquebráveis,

Dois reais de pão para estes pobre miseráveis

Que tateiam pelo mais claro escuro infinito...


Eu mesmo acabarei me martirizando suavemente

Entre remendos educados de solidão voluntária,

Nossa libido canta uma marchinha de carnaval

Com a obscenidade dos monstros do armário,

São alguns haicais que brotam como fossem ervas

Que apesar de serem daninhas também morrerão...


Vamos economizar esse pouco tempo que nos resta

Tentando não ser o último e nem o primeiro da fila,

É pura sandice crer que nos restou alguma crença

Assim como crer que a alegria irá nos perseguir,

Todo malefício terá por sua vez algum ponto fraco

Assim como as paredes dos castelos também caem...


Nesta grande avenida irão desfilar tantos e mais nadas

E vários corvos virão qualquer dia picar nossos olhos,

Os roteiros mais seguros acabaram se perdendo de vez

Enquanto labirintos não nos servem mais de abrigo,

Nesta meia-luz não encontrais mais algum meio-tom

E eu ainda quero algum sangue com bastante gelo...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

domingo, 14 de dezembro de 2025

De Clowns e Bunkers

Triste piada para todos poderem chorar.

Dias de mormaço queimando no escuro.

Versos bons que se atrasaram demais...


Tentar comer os frutos de uma terra estéril.

Fomos os últimos a chegar nesta vã festa.

A sorte está lançada desde outros tempos.

Tento me esconder mas nunca vou conseguir...


Quem não quer que não queira - simples assim.

Não escondo o ás na manga me faltou a manga.

Não fico mais de joelhos porque nem tenho mais...


Falo coisas tão absurdas com extrema calma.

Não sei o que é o amor porque não o conheço.

Envelheci mil anos em menos de que um dia.

Toda maldade depende apenas de circunstância...


Meus Demônios me beijam com extremo carinho.

E meus pesadelos desculpam-se pela falta de jeito.

A fumaça do cigarro é bem mais pesada que eu...


Não sabemos se há continuação ou sequer volta.

Os meus mortos permanecem em seus lugares.

A minha insensibilidade atinge todas notas e cores.

Sob essa pintura há enigmas cheios de mistério...


Caí do cavalo sem estar montado em cavalo algum.

Seria demais pedir alguma tábua evitando me afogar?

A bomba caiu sobre o bunker mas não aconteceu nada...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Bitter Dreams

Bitter dreams

O fundo do copo

O resto do prato

A desilusão que virá para não mais voltar

A cicatriz que vai ficar de vez em nossa pele...


Bitter dreams

A saliva seca

O olhar vago

A festa que acabou sem nem ter começado

A fogueira que se apagou com essa chuva...


Bitter dreams

A folha seca

A rosa morta

O ódio que se travestiu em amor por hábito

O beijo enjoativo com seu hálito mais bêbedo...


Bitter dreams

A saudade doída

O plano falho

A velhice que chegou da forma mais tristonha

A solidão que acaba sendo uma rota de fuga...


Bitter dreams

O show adiado

O parto arriscado

A janela que teve seu vidro quebrado com pedra

O despertar de uma manhã muito mais mal dormida...


Bitter dreams

O dano irreparável

A senha perdida

Os quatro tiros dados nas costas dela no jardim

O meu sonho que talvez seja apenas um pesadelo...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Paranoia Assintomática

Desejos disfarçados com qualquer lógica,

Lógica barata inserida em qualquer frase,

Frase aplaudida sem possuir motivo algum,

Motivo pra temer a morte que é inevitável,

Inevitável  coisa mais do que sempre natural,

Natural e histérica como multidão qualquer...


Qualquer invenção sobretudo a mais que barata,

Barata que é destruída com esse nosso tempo,

Tempo que nos traz apenas feias rugas de presente,

Presente invertido de troianos destruindo gregos,

Churrascos gregos vendidos em quaisquer esquinas,

Esquinas em que nos espera com a mesma violência...


Violência que nos espera com carnavalesca fantasia,

Fantasia de que nossa vitória inexistente será certa,

Certa ciranda que vai nos deixar mais que tontos,

Tontos com a droga que nós não sabemos se usamos,

Só usamos na mais precisa e desastrosa embriaguez

Embriaguez de tudo aquilo que há de forma inútil...


Inútil é todo aquele que só sabe viver junto ao medo,

O medo é apenas o que há de mais certo e inevitável,

Inevitável como nossas fiéis e traiçoeiras necessidades,

Necessidades construídas pela areia de qualquer ilusão,

Ilusão que não percebe que um dia tudo passará,

Passará como se fosse apenas mais aquele vento...


O vento estranho como qualquer macabro calafrio,

Calafrio que gera apenas os gritos mais que inúteis,

Inúteis é aquilo que também somos, apenas pacientes,

De um grande hospício que deve ser chamado de mundo,

Mundo feito apenas dos mais meros e paranoicos desejos,

Desejos disfarçados com qualquer inexistente lógica...


(Extraído do livro "Pane Na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Aquela Casa Que Não Existe Mais (Miniconto)

Tem lugares que já passamos que continuam no mesmo lugar, estão lá, de pé. Mesmo que o tempo tenha maltratado, envelhecidos, assim como faz com as pessoas, ainda assim, estão lá. A casa que fui criado, por exemplo, depois de comprada, ninguém mais morou lá, mas continua existindo. Não sei como está, mas está lá. Mas aquela pequena, que existia no beco do beco, não. Como assim no beco do beco? Era assim, existia um beco na rua e depois do final, existia uma outra entrada, lá no final, para o lado direito e essa casa era a penúltima. Uma casa bem diferente, sabe? A fachada dela direta no beco, sem janela nem porta alguma, uma pequena entrada, que virando à esquerda dava pra outro corredor, com uma pequena varanda. Na varanda, a entrada da sala, a sala tinha uma janela antiga de madeira, caseira. Do lado direito, o único quarto com outra janela caseira. No lado esquerdo, a entrada pra cozinha que tinha um pequeno basculante para o corredor de entrada. Na cozinha uma pequena entrada que dava para um vão, onde havia o banheiro e uma outra saída para a varanda. Todas as portas também caseiras, menos o quarto, nele não havia porta alguma. Mas fomos felizes ali, sobretudo eu e mamãe, no tempo em que moramos sós. Depois que nos mudamos, fui até lá. A proprietária vendeu barato, poderíamos ter comprado. Quem comprou, colocou abaixo, uma pena, ela poderia continuar lá, mesmo não sendo mais ocupada. Tenho fotos do interior dela. Fomos tão felizes... 

Penguê-Penguá

Penguê-penguá 

espinha de peixe não dá pra fumar...

Fugi da escola

pra pedir esmola

ou fui jogar bola...


Penguê-penguá

matei o caboclo por um guaraná...

Cacei na cidade

fui pedir caridade

só achei maldade...


Penguê-penguá

pro lado de fora não dá pra entrar...

Comeu um chiclete

pagou um boquete

foi de patinete...


Penguê-penguá

quem tá duro não pode emprestar...

Fulano sicrano

é quase humano

debaixo do pano...


Penguê-penguá

aqui é daqui e de lá é de lá...

Fuma a bagana

essa semana

seu Zé Banana...


Penguê-penguá

se eu não paro não vou acabar...


(Extraído do livro "Maluqueci de Vez" de autoria de Carlinhos de Almeida).

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Contenda de Perguntas e Respostas Entre O Ser e Um Espelho

- Toma cuidado, muito cuidado. Nem sempre me farás perguntas e quando eu responder, minhas respostas te trarão satisfação alguma...

- Como assim?

- Mau começo este teu, não questione meus métodos, fui feito para permanecer em silêncio, sendo este malvado ou não. Nada depende de mim, não sou eu que faço tua tristeza ou tua alegria. Notaste que fico no canto em que me deixaram e que o tempo também há de acabar comigo aos poucos?

-...

- Eu aos poucos apresento manchas que acabarão tirando minha nitidez, assim como todos os seres acabam trazendo suas rugas tanto de velhice quanto do gasto, sendo este necessário ou desnecessário...

- Mas porque isso acontece?

- Bela pergunta! Se não fosse tão óbvia e por esse motivo, tão idiota... Por acaso não observaste o começo de todas as coisas? Tudo começa a acontecer da melhor forma possível e depois... Ah, depois, meu pobre amigo, transforma-se no que chamamos de final... Olhe em torno, talvez entenda melhor...

- Me dê um exemplo, por favor...

- Um exemplo? Poderia te dar dezenas, centenas, milhares deles, milhões até, já que tudo nesta roda é parecido, mas nada é igual. Imagine só, um breve passeio neste seu bairro... Imaginou?

- Sim...

- Pois bem, imagine que está passando na porta do boteco da esquina e por um motivo que não importa, ele está agora lotado. Esqueça para isso, qual o dia da semana ou o horário, pouco importa para o que eu quero dar como exemplo...

- Está lotado...

- Imagina agora que estão todos bebendo...

-  Estão todos bebendo...

- A maioria, senão todos, estão bebendo algo de algum teor alcoólico.

- Alguns, ficarão embriagados, outros um pouco tontos...

- Exato! E enquanto isso, alguns também se envenenarão, complementando sua bebida com tabaco... Continuando o que eu pedi para que notasse, imagina que alguns são do gênero masculino e outros do feminino. Imaginou?

- Sim. Mas e aí?

- Aí que está, meu caro amigo, aí que está!

- Não entendi...

- Pois bem, veja só, é um boteco, um bar, uma birosca, um botequim, uma barraca, seja o nome que seja dado. O que estão fazendo?

- Bebendo...

- Isso é bom ou é mau?

- Creio eu que mau...

- Mau por que?

- Porque o mau geralmente não traz nenhum benefício à saúde...

- Concordo plenamente, concordo plenamente... Mas se não faz bem, por que estão bebendo? Por que estão gastando seu dinheiro (que sabe-se lá como obtiveram), seu tempo e sua saúde?

- Talvez por vício ou ainda, por outro motivo...

- Boa resposta, boa resposta... Mas não totalmente exata...

- ?

- O vício, na verdade, pouco importa. Veja bem, não estou defendendo ninguém pelo motivo de beberem, quero apenas mostrar o porquê pedi para imaginar tal local e circunstância.

- Prossiga.

- Então. Agora façamos o inverso...

- Como assim?

- Pois bem, o boteco não existe mais, a pequena multidão não há também. Agora existe cada ser, seja qual formos imaginar, chegaremos no mesmo ponto...

- Ainda não entendi...

- É simples, muito simples mesmo. Por exemplo, vou escolher um deles, aquele ali mesmo serve. Está bem?

- Pois não...

- Olha seus cabelos brancos, sua barba malfeita, sua roupa não muito nova e nem muito limpa, seus dentes um pouco cariados, suas unhas já pedindo para serem cortadas e sujas também...

- Continue...

- Seus chinelos já um pouco desgastados, sujos como o resto do conjunto. Talvez tenho no bolso um celular que comprou de segunda mão, para ser igual à maioria que existe por aí. De vez em quando ele entra nas redes sociais para rir daquilo que tem que rir, mesmo que não ache tanta graça assim...

- E...

- Agora observemos mais um pouco. Suas mãos cheias de calos, por conta da profissão que possui - é um pedreiro, por exemplo.

- Um pedreiro...

- Sua idade pouco importa, se sabe ler e o que leu até agora, não interessa. Não interessa para quem ele fará alguma obra, só interessa o que vai construir e se por isso alguém pagará um preço quase justo e se não será sacaneado por ele, o que alguns pedreiros acabam fazendo...

-...

-  Hoje ele é só isso - um pedreiro. Que mora numa casa em alguma rua deste bairro, desta cidade, deste estado, desta região, deste país. deste continente, deste planetinha.

-...

- Que possivelmente foi traído pela mulher ou por um irmão ou por um amigo. Que já sofreu como a maioria na mão de políticos safados, corruptos, ladrões. Que até agora teve que ir algumas vezes ao cemitério levar algum parente, amigo ou até um desconhecido... Que sabe que um dia chegará sua vez, mas mesmo assim nem gosta de falar nesse assunto...

- Aonde quer chegar?

- Aonde quero? Simples, muito simples... Ao inverso...

- Como assim, o inverso?

- Veja bem, o que eu pedi para que fosse imaginado, é certamente o final. Olhemos o começo. Ele, todos os seres humanos, apenas crianças, que começaram sendo amparadas, cada uma ao seu modo. Algumas em barracos, outras em casas comuns, em casas mais suntuosas ou até em palácios. mas amparadas. Chorando quando queriam alguma coisa, queriam comer, estavam sujas queriam dormir ou sentiam algo desagradável...

- Crianças...

- Sim, crianças, apenas isso, crianças, nada mais do que crianças... E o tempo foi então passando, a maldade, a tristeza, a solidão, todas essas coisas acabaram vindo. Umas viraram assassinos, outras ladrões, outras miseráveis, outras inúteis, outras putas, a ralé do mundo. Enquanto isso outras conseguiram algo menos ruim. E preste atenção: não melhor, apenas menos ruim...

-...

- Um dia todos irão embora, seres e coisas. Para onde? Os homens tentam responder isso. Mas quem realmente o saberá?

- Triste, mas verdadeiro...

- Ah! Agora entendeste o porquê não gosto de responder perguntas? Mesmo assim entendeste a minha resposta?

- Acho que sim...

- Então, faz logo o que vieste fazer. O dia já veio, eles nem sempre são amigos...

Alguns Poemetos Sem Nome N° 364 *

Todas as vezes que falo

acabo falando sozinho, é assim mesmo...

Espelhos não respondem, 

são tímidos demais...

Estrelas nem me olham,

elas têm mais o que fazer...

As nuvens também ficam caladas,

não gostam de dar respostas...

As ondas queriam me responder,

mas não ouviram a pergunta...

Todas as vezes que falo

acabo falando sozinho, é assim mesmo...


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O amor nos escolhe, 

Nós nunca o escolhemos...

Ele geralmente apronta tocaias

E acabamos feridos...

Aqueles que deram certo

Só são propagandas para nos enganar...


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Ainda guardo um bilhete

Em que você disse finalmente

Tudo o que deveria ter dito antes...

Pois é, acontece isso,

Você acabou indo embora

E que deixou escrito

Parecia com tiros na minha execução...


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É que eu perdi o medo,

Principalmente das coisas 

Que deveria ter bem mais...

De que adianta ter medo da escuridão?

Minha alma consegue ser mais do que ela...

De que adianta ter medo da tristeza?

Ela consegue ser mais alegre do que eu...

Por que tentar acabar com a solidão?

Faço dela uma companhia como qualquer outra...

É que eu perdi o medo,

Perdi até medo do medo...


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Em qualquer lugar do mundo,

Em qualquer,

Flores resistirão aos bombardeios,

Crianças brincarão mesmo entre destroços,

Suspiros serão dados por amores eternos,

Ideias novas acabarão surgindo,

Malvados fecharão os olhos para sempre,

Em qualquer lugar do mundo,

Em qualquer...


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Não tenho culpa, não temos culpa,

Mesmo sabendo não imaginamos

Qual será a hora exata que acontece...

Achamos que a mocidade ficará conosco

Enquanto fazemos algumas brincadeiras

De extremo e malvado mau-gosto

Até que chegue a nossa vez...

Eu tenho culpa, nós temos culpa...


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Toda a simplicidade acaba sendo complicada

Porque forçamos caminhos que inexistem...

Quem somos nós para inventar cores?

Toda a ternura acaba nos machucando

Porque queremos o que nem sempre há...

Quem pode mandar no amor que manda?

Toda luz acaba sendo a nossa cegueira

Porque nem sempre o dia acaba sendo bom...

Por que nos esquecemos que há noturnas aves?...

Nunca Saberemos (Miniconto)

Nunca saberemos, isso é bem certo. O tempo nos separou, querendo ou não. Eu daqui faço perguntas sem obter respostas, fecho os olhos e reclamo que o dia é mais uma noite. Tudo envelhece e a tristeza fica por nossa conta. Todos os velhos passaram por pontes que agora quebraram. Assim como os culpados um dia foram inocentes. Poderia ficar falando nomes (alguns inventados, outros não) até o final dos tempos, ou pelo menos, o final dos meus tempos... 

sábado, 6 de dezembro de 2025

Sem Mergulho

Me ajoelhei numa beira de rio

Coloquei minhas mãos em concha

E acabei bebendo toda a sua água...!


Não vá mais para o oceano

Fique aqui dentro do meu eu

E só saia suando ou chorando...!


Abri as asas que nunca tive

Bati duas ou três vezes treinando

E pulei do abismo logo em frente...!


Voar é uma das coisas mais fáceis

Ainda mais quando se tem desejo

Ou a fantasia chega sem licença...!


Fiz um carnaval de um somente

Mais ruidoso do que um exército

Que marcha sem escolher o asfalto...!


Nunca mais escolhi qual o mês

Desconheço qual é o dia da semana

Ou se minha alegria é boa ou má...!


Brinquei até que pegasse no sono

Para nele continuar a brincadeira

Antes que a manhã viesse me ferir...!


Todos os medos que acabei sentindo

Grudaram em minha pobre pele

E viraram cicatrizes bem mais bonitas...!


Escrevi estes versos como muitos

A maioria deles acabei me esquecendo

Versos que serão lidos só por acaso...!


Eu tenho o tamanho de todos prédios

Mesmo sendo menor que uma formiga

E quase que me afogo sem mergulho algum...!


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Alguns Poemetos Sem Nome N° 363 *

Estamos cegos enxergando tudo

O barulho incomoda nossa surdez

Nossa impaciência sabe esperar

Nossos segredos são publicados

Toda tecnologia nos deixa primitivos

O riso é quase sempre chorado

É por isso que somos humanos?


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Eu já vi tudo que não gostaria ver

Fui testemunha de crimes inexistentes

Provei do último pedaço dos carnavais

Fogueiras apagadas me queimaram

Amei o ódio com solene convicção

Ri sem motivo pela mais simples praxe

Sou apenas mais um célebre desesperado

Em que até as palavras me deixam tonto.


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Era um dia de festa e eu não sabia

Meus cálculos eram exatamente opostos

Quase me afoguei em um mar inexistente

Acompanhei rios que estavam secos

Sonhei com as águas mais improváveis

Apontei para todas as estrelas possíveis

Virei as costas para a fé e fui andando

Quis devorar as mais inocentes quimeras

Era um dia de festa e eu não sabia

Geralmente choramos quando nascemos...


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Não faça indagações...

Esqueça as perguntas...

As respostas geralmente ferem mais...

Nunca ajude a tristeza...

Se ela chegar que venha sozinha...

Nós não a queremos nunca...

Lembre apenas do que vale a pena...

Dos gestos mais ternos possíveis...

Dos muitos sonhos que temos...

Não faça indagações...

A verdade sempre chega...


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Eu quero dançar! Eu quero dançar!

Perto do fogo ou dentro dele!

Pouco me importa aonde vai ser...

Eu quero voar! Eu quero voar!

As asas eu mesmo arranjo!

Voar em abismos ou em céus...

Eu quero gritar! Eu quero gritar!

Mesmo acordando a vizinhança!

Será um grito ou meu canto?...


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Esse é o espelho. Um bom ouvinte.

Um bom observador também.

Fale para ele todas as suas dores

E mostre como o tempo é malvado.

Não espere resposta alguma dele.

Sua timidez é muito grande.

Ele permanece calado o tempo todo.

A única coisa que você fazer é confessar.

Não se despeça dele em hipótese alguma.

Ele prefere que você acabe voltando...


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Quero evitar ter ciúmes dela...

Afinal de contas não tem culpa de sua beleza.

Quero ficar bem perto dela...

Mesmo que isso signifique que lhe incomodo...

Quero rir sem motivo algum...

Isso faz parte da minha loucura incurável...

Quero poder lhe trazer um carnaval...

Um carnaval meio diferente e quase eterno...

Quero morrer perto dela...

Porque assim quem tem amor nunca morre...

Carliniana CXXIII ( Teoria Geral dos Beijos )

Tudo semelhante diferente sempre é...

Por tal fato joguemos milho aos pombos

Numa despreocupação mais preocupante 

Como quem tem que contar as gotas do mar

Antes que todas as estrelas sejam desligadas...

Todo silêncio acaba mais gritando...

Lá vem nossa maior convicção sem ter fé

Com vários nomes que acabamos esquecendo

Enquanto o tempo vai rasgando nossas roupas

E as nossas cicatrizes agora são mais comuns...

Nosso tesão acabou indo embora...

A casa grande e a senzala estão carcomidas

Enquanto senhores e escravizados repousam 

Engolidos pela mãe que um dia pariu todos

E que não dá declarações nos vãs noticiários...

Bondade e maldade são feijão e arroz...

Sem palhaços não existem tais folias de reis

Aquela inocência restante não será preservada

A nudez desconhece todos os existentes castigos

E os ventos agora estão fracos demais para algo...

Eu morri anteontem e só hoje me dei conta...

Minha memória é uma pedra perdida pelas ruas

Estou quase me mudando e indo morar em nuvens

Nenhuma poesia é o suficiente para a minha fome

Eu sou o estranho que estranha a estranheza...

Cuspo no chão molhado tentando imitar lágrimas

Deveria ter beijado todas as bocas ao meu alcance

Mesmo que isso tivesse cheiro de heresia e profanação

Afinal de contas nem todos os pecados são crimes...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Filosofia Pura

Até o que foi morto não morre

O que está parado é o que mais corre

Quanto mais cego é que enxergo

Quanto mais digo não é que não nego

O que vem de mim eu não conheço

Tudo que é de graça é que tem preço

Tudo que se desconhece endereço...


Não existe bala perdida só tem achada

O que tem valor é que não vale mais nada

A beleza é só o fruto de um feio acaso

Quando eu chego na hora é que me atraso

Cada barco ancorado não tem proteção

E o dono de cada dia presente é o Cão

E quem manda em toda a fome é o pão...


O ano que vem vai matar o atual ano

Ninguém sabe aí qual o nome do fulano

As cadeiras da morena não são para sentar

Toda rua pode parecer que é o nosso lar

O arranha-céu não pode arranhar nada

Quem não sobe nunca na vida é a escada

O palhaço é que nunca faz palhaçada...


A cabeça que não pensa é a do prego

Quanto mais eu não aceito é que relego

Nem toda vida é parecida com a novela

Não existem todas as cores numa aquarela

Nem todo remédio vem trazendo a cura

Nem toda fruta que se come já está madura

Nem toda pura filosofia é filosofia pura...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Diferente

O poeta que se diz ser alegre - mente

Porque não existe amor que satisfaz

O destino diz que traz mas não traz

Da tristeza um algo que seja diferente...


O sábio que diz saber - não sabe

Pois o saber é um algo mais ausente

Não sabemos o que no peito cabe

Nunca sabemos o que está na frente...


O covarde é aquele que se diz valente

Pois ninguém consegue enganar a morte

Ter dinheiro não significa ter a sorte

É questão de uma conta errada somente...


Nossa trilha sonora - é um samba-enredo

Cada brinquedo é uma distração aparente

Pois é do dia que se deveria ter mais medo

Pois é nele que pisamos sem ver a serpente...


O poeta que diz estar alegre - mente

Porque nenhuma guerra pode trazer paz

O destino é água que a sede não satisfaz

E fazer poesia é uma coisa muito diferente...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Pois Todo Tempo É Pouco

Todo tempo é pouco,

muito pouco...

Para ir ao encontro de coisas simples,

para os gestos mais singelos,

para beijos escondidos,

para uma ternura sem limites...


Todo tempo é pouco,

muito pouco...

Para rir das coisas mais engraçadas,

para alcançar as nuvens,

para cantar junto aos pássaros,

para repetir juras antigas...


Todo tempo é pouco,

muito pouco...

Para colocar barquinhos na água,

para intermináveis brincadeiras,

para decifrar alguns enigmas,

para exercitar a velha inocência...


Todo tempo é pouco,

muito pouco...

Para trazer novamente a paz,

para agarrar todos os sonhos,

para contar todas as estrelas

e para dizer que a amo sem limite algum...


Todo tempo é pouco,

muito, mas muito pouco, mesmo...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida). 

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