quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Ruas Desertas

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Ruas desertas, alma deserta, uma grande multidão em torno, mas eu sem ninguém. Passos aflitos, incertos, dentro de uma escuridão mais escura possível, sem som algum, mesmo os mais preocupantes de um perigo certo.
Assim sou eu, somos todos nós, nesse mundo de eternas ilusões e quase sem gosto, quase sem sal algum.
Manhã fria, manhã quente, o que há para escolher é quase sem escolha, não podemos apontar para direção nenhuma, pois a direção somos nós mesmos. Eu clamo por piedade, mas a firma está fechada para balanço.
As notícias correm pelo mundo afora, mas tudo que começa acaba, sobretudo qualquer uma alegria.
Neste exato momento, choro, aliás, muitos choram por variados motivos. Alguns reais como pedras que pesam por si mesmas, paradas numa imobilidade irritante; outras simples fumaça, que quando vemos, já fugiram.
Eu queria ter algo, alguma coisa que pudesse dizer que é meu, mas até as lembranças somem sem que perceba tal coisa.
A memória das coisas, a memória de tudo já está sepultada em frases secas como em epitáfios que foram escritos por mera formalidade e, quanto menos disserem, melhores são, pois decepções foram feitas para serem disfarçadas, nunca para serem evidenciadas mostrando nosso fracasso.
Todas as músicas são iguais e todos os projetos são a mesma coisa, o começo e o final dolorosos são, só o meio nos distrai.
O que fazer agora? Faltam tangos argentinos para evidenciar alguma dramaticidade mais em conta, falta um palco para que velhas e repetidas tramas sejam encenadas, tudo é tão normal e o que normal pode matar que nem qualquer outro veneno.
Preciso de uma vela acesa sob a luz mais forte, nada é mais malvado que o quase.
Amanhã ou depois de amanhã talvez eu possa pensar que me enganei e que está tudo bem, mas é o hoje que me apunhala pelas costas como um amigo que bebeu comigo e que decidiu me matar por capricho ou por pura banalidade.
Eu sou aquele que perdia o sono enquanto todos dormiam, o que olhava um céu claro em busca de tempestades invisíveis.
Num tempo bem distante, distante sem medidas exatas, no fundo de uma caverna fazia meus vaticínios, em meio a hordas de soldados furiosos encontrei alguma relativa paz, náufrago de uma ilha deserta encontrei certo sentido para acalmar meu desespero.
Enquanto respiro, montanhas tremem e mil castelos acabaram de desmoronar.
Bebo mais café, fumo mais um cigarro, já não me importo de enxugar as lágrimas, já não são mais dignas de preocupação, o costumo faz certas coisas ficarem invisíveis, mesmo que postas em galopante evidência. Minha totalidade ficou de repente nula como num passe de mágica.
O tempo rosna como um cachorro bravo que se soltou de sua corrente, pronto para nos abocanhar.
Ruas desertas, alma deserta, uma grande multidão em torno, mas eu sem ninguém. Passos aflitos, incertos, dentro de uma escuridão mais escura possível, sem som algum, mesmo os mais preocupantes de um perigo certo. Ai, meu Deus! Que falta eu sinto de mim...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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