domingo, 17 de novembro de 2019

A Dança dos Bonecos

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Não tenha pena de mim porque em meu desvario ando por ruas que desconheço indo para os lugares mais hostis possíveis. Já me acostumei com tal coisa desde o meu primeiro choro na sala de parto.
Levei muito tempo, o tempo todo que tive até hoje, descobrindo que o que pode ser mudado, assim o será, mas nem tudo pode. Os sonhos, por exemplo, são dardos fatais que não podem ser desviados e as presas somos nós. De igual forma, o amor não pode ser evitado, mesmo que isso signifique sangrar até a derradeira gota.
Olho em torno com a minha habitual desconfiança, como só os caçadores de impressões podem ser. Capto os sons, pequenos ou não, fazendo deles uma nova sintonia para minha alma mais que cansada.
Onde estou? Eis uma questão de suma importância...
Abro as janelas da minha percepção e vejo o que certamente não queria. Um mundo feito por bonecos, para bonecos e é só isso...
Um mundo de enganados, de iludidos, que apenas marcam as questões de uma prova que é feita o tempo todo, mas recheada de muitos zeros.
Aqui estão os que desperdiçaram suas vidas em pequenos detalhes, em necessidades fictícias, em vaidades intransportáveis. Os que fecharam os olhos e deram de cara na parede do desamor...
Ali estão os que jogaram fora seu pensamento na lata do lixo, pensando que sabiam algo, mas que nada sabiam. E quando o lixo foi recolhido, já era tarde demais...
Eis também os que riram de piadas sem graça por pura formalidade, os que se associaram ao ridículo em nome de princípios que não existiram. Alguns apagaram as chamas do contentamento e outros estragaram a festa da simplicidade...
Esfarrapados, quase desnudos andam todos, sem desculpa alguma por sua fatalidade. Esfomeados, mesmo com suas barrigas cheias, sem mostrar sensibilidade alguma por outros infortúnios. Desnorteados, sem saber onde está tudo aquilo que verdadeiramente precisavam. 
Planos são arquitetados para um fim que será de todos, juízes e réus ocupam o mesmo espaço, crimes e castigos são distribuídos como sem distinção. Quem fere e quem foi ferido irão para o mesmo lugar, só as culpas e os méritos farão a diferença.
Já estamos preparados para a travessia? Quem disser quem sim, estará mentindo mais mentiras que o habitual. Não há preparo algum para fecharmos os olhos, ninguém quer comparecer ao seu próprio funeral. E mesmo em atos de desespero, a esperança aumenta bem mais esta derradeira dor. Todo tiro acaba saindo pela culatra...
Olho em torno, sem querer mais enxergar, mas a minha mente se vinga dos momentos em que a desprezei por atender meu coração. 
- Olhe, seu filho-da-puta, olhe! - Me diz sem dó algum. - Olhe essas cores feias do dia. Olhe os abismos que cada um constrói para depois se atirar, as ilusões feito bichos domésticos que atacarão seus donos e os matarão. Olhe as belas carnes expostas no açougue da vida que as moscas pousarão para depositar suas larvas.
- Olhe, idiota, olhe! - Continua seu deboche. - Olhe as merdas que você também fez parte, as flores que você também matou; olhe a melhor parte que você também dispensou; as correntes que você usou por livre escolha...
- E por último... - Concluiu. - Bata palmas para os bonecos dançarem...

(Extraído do livro "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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