sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Vento do Sol

já aprendi que quase todos os amarelos
são laranjas um pouco mais discretos
e assim vão se sucedendo tudo que há
as fatalidades são sugestões do cardápio
e abismos são locais como quaisquer outros
briguei por certas expressões a vida inteira
e hoje vejo como as letras brincaram comigo
quanto mais embriagado mais lúcido baby
não tenho compromisso algum até às quatro
já olhei em todos estes meus bolsos
e o medo deve ter se perdido pelo caminho
cada poema que faço é assistir um parto
em que dolorosamente rio de pura aflição
há muito apertei o botão do controle remoto
e acabaram-se todos os dilemas de meu tempo
nada mais me resta senão o que nos restou
demorei mas aprendi o idioma dos meus olhos
e neste ponto não precisei de mais nada
se for para jogar futebol chamarei a morte
a vida é muito perna-de-pau e exigente demais
quer tudo muito perfeito e eu sou ruim de tiro
estou dispensando de agora em diante
toda piedade que me faz crescer às avessas
sei que fracassos podem até ser vitórias
quando alguma coisa sobrou neste front
a madrugada inteira fiquei insone e dormi agora
é tarde demais para os passos que deu retrocederem
mas novas festas ainda são e serão bem vindas
eu gosto muito de falar de coisas que não entendo
as que eu entendo estão todas já arrumadas na gaveta
e não quero ter dois trabalhos ao invés de um só
basta! estou cansado demais desse cansaço
e o ar que me cerca é curioso demais para tal
e suas perguntas produzem um tédio que dispenso
é fato consumado que os poetas e os bandoleiros
nestes tempos de chumbo que sempre se anunciam
ainda olham para o mais adiante com certa paixão
cuidado! ter cuidado demais é errar no sal
as batucadas ainda podem varar noite adentro
e podemos ter saudades até do que nunca tivemos
as mesas não foram somente feitas para comer
deitam-se nelas até os que um dia oprimiram
o balanço da rede é inevitável segundo as leis da física
o destino é um camelô cheio de algumas novidades
vamos brincar de antagonismos que nos afligem
e acabamos esquecendo toda a nossa fala
é que algumas vezes me esqueço que sou humano
e é nessas raras vezes que consigo ser feliz
pegarei todos os meus vícios e lhes darei uma medalha
minhas virtudes ficam no sofá da sala vendo novela
eu queria haicais como borboletas em bando
mas os metais ainda sabem confundir muito bem
é fascinante o encanto de certas estampas antigas
atravessar as paredes já virou um lugar-comum
e até a tua beleza ficou um pouco sem graça
quando coloco as reticências o menino até chora...

(Extraído o livro "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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