domingo, 23 de dezembro de 2018

Sob A Sombra de Mim Mesmo


Não posso falar mais do que as coisas que eu digo. É o que temos para hoje, é sinal de perigo. Não há mais teto que represente um abrigo. Não há adianta mais gritar, ninguém te escuta. Sem querer sacanear acabo sendo um grande filho-da-puta. Até pra poder respirar está tendo disputa. Não há mais um sossego, só existe carrego. Não tem mais dessa de venha cá meu nego. Não pego, não chego, sou cego, sem dengo. Não adianta ideias mirabolantes. Não sei se tudo vai mal ou está como antes. É porque nossa cegueira vem do tempo de Abrantes. Não espante, me encante. Depois ou durante. É rosa, é espinho, sozinho, sem carinho. Não há mais nada, nem caminho. Estou tão tristinho. Me dá um cigarro, me passa o vinho. Caí no asfalto, foi um carrinho. O teu cabelo em desalinho. Eu até queria fazer um rap maneiro, mas ainda não estamos em fevereiro. Noturna, me engole, na furna. Eu sou apenas mais um bocado. O meu celular já está enguiçado. Marcado, pirado, sou apenas um pobre coitado. Sem essa. Conversa. Já está atravancado meu peito, sou um cara cheio de defeito. Eu olho, olhando. Teu vulto, passando. Mil coisas, postando. A merda de ontem ainda ri agora. A bunda abunda, de fora. A morte, nem sempre demora. Pois o vírus pode ser um cara malvado, desses que passam olhando enviesado. Parando, parado. Comendo, tarado. Continência, soldado! Desconheço se o mundo vai se acabar, acabou a comida, a bebida, tem laranja para a gente chupar. A tela, a novela, a favela, cuidado com a banguela. Ai meu Deus, olhe os meus, os que acreditam, mas também os ateus. É tudo dança. Só há crianças. Uns enganados pela esperança. Estou aqui, estou ali. Olhei no espelho. E nem me vi. Estalo os dedos, são tantos medos. Veja a internet, não há segredos. Eu queria ser um cidadão mais sossegado. Só não tenho culpa de ser mais um pirado. Um pobre órfão abandonado. Já não sei mais como se faz o riscado. Apesar de não me esquecer de como é o bordado. Um cara que só faz poesia. Noite e dia. Desculpe aí, ó minha tia. Bebo demais, perdi a paz, traga meus ais, as minhas minas não são gerais. No meu canto, no meu espanto, sem esperanto. É pranto, é manto, é disfarce. Morre e renasce. Lágrima na face. Sob a sombra de mim mesmo, um atirador à esmo...

(Extraído da obra "Eu Não Disse Que Era Poeira?" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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