segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Talvez Eu Morra

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Talvez eu morra numa dessas noites com chuva. Sem deixar órfãos, herança ou viúva. Como um caminhante que não deixou rastro. Não fui um astro. Não brilhei em nenhuma estreia. Não arranquei aplausos da plateia. Não fui sequer um número à mais. Não fui pra guerra. Nem lutei pela paz...
Talvez eu morra num desses becos da vida. Sem ferida. Sem doença aparente. Mais do que um indigente. Apenas mais mais um desiludido. Um traído. Um distraído. Apenas mais um alguém. Que não fez mal e nem fez bem. Que olhou atentamente as telas. Que desejou o final das novelas. Tudo deu certo e tudo deu errado. Está tudo acabado...
Talvez eu morra por erro do calculado. Na hora certa e no momento errado. Poderia ter vivido mais um pouco. Ter sido mais louco. Com menos sufoco. Rindo para o fim do mês. Ter sido menos burguês. Ter sonhado mais. Ter dado risadas sem motivo. Não ter tido tanto medo do cais. Alçado velas e ter partido. Não estaria aqui a essa hora. E nem teria ido embora...
Talvez eu morro de susto. Com o custo da água. Com o preço da luz. Com uma antiga mágoa. Com o antigo amor que teima. Com a brasa que pensei apagada e que queima. Com a alegria até. Com descrença e com fé. Contraditório. Humano e paradoxal sim. Com as alegrias que ficaram no jardim...
Talvez eu morra em plena folia. No último dia. Junto com as maiores ressacas. Com o brilho da faca me ferindo. Enquanto vou indo e nem sentindo. Fazendo os versos mais banais. Eu que sentei nas calçadas, eu que brinquei nos quintais. O menino malvado e quietinho. Que quis ter asas como passarinho. E que chorou e chorou. Porque nunca voou...
Talvez eu morra por meus vícios. Por impraticados sacrifícios. Crucificado num calvário particular. Desviando das quedas. Contando as moedas. Que deveriam estar lá. A fumaça que invade os pulmões. A cachaça que desvia as razões. O jogo que é toda a nossa vida. Tudo fere sem deixar ferida...
Talvez eu morra fazendo o verso. Fui humano e isso confesso. O animal do topo da cadeia alimentar. Não tenho muito o que deixar. Talvez meu riso, talvez meu chorar. Já rezaram por mim? Fechem a tampa e deixem para lá...

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