terça-feira, 13 de julho de 2021

Sempre Menino

 

Sempre menino tentei justificar o mais óbvio que em mim encontrei. Brancas nuvens num céu azul inocentemente repetitivo. A incoerência até pintou os desenhos mais bonitos que um caderno poderia receber...

Eu não faço armadilhas para passarinhos, minha malvadeza é outra, eu capturo instantes de pura eternidade, coloco-as em velhas gaiolas para que elas fiquem lá...

Ainda menino aprendi a enganar os mais inocentes espelhos. Esses cabelos encanecidos não são meus, tampouco essas rugas que brincam em meu rosto como em decadentes muros. Não descobri fórmula mágica alguma e nem pretendo descobrir...

Quando muito executo duvidosas reticências que irão embora brevemente. O meu sorriso não tem malícia alguma, sou apenas toda ela em um só golpe. O golpe acertou...

Um violeiro toca cego na feira, esse sou eu. O barulho de mil passos tentam enlouquecer-me, mas não consegue, só a música e a minha voz entram em meus ouvidos e chamo isso de satisfação...

Tenho grandes abismos... Ou serão apenas o que eu cavei em passados domingos na praia? Não há mais testemunhas para meus crimes sinceros e os cigarros já se apagaram...

Eu sou a minha própria dor, não esqueça isso, eu mesmo faço questão de não me esquecer. A velha roupa quase se rasgou tentando uma seriedade que só existiu em meros contratos sem graça alguma...

Gostaria de dormir mais um pouco, mas a dor faz questão de bater seu cartão de ponto. Qualquer dia chegarão do trabalho e eu estarei calmamente morto. Toda a inutilidade se acabou num passe de mágica...

Não pretendo discutir falsas teorias, cansei-me do próprio cansaço, tive vontade de puxar a toalha e jogar todo o banquete no chão. Estou estreando um novo ofício - agora sou um fazedor de cacos...

A moda não mais incomoda. Bandeira ri de minhas inúteis tentativas. Prometo devolver meus pequenos roubos. Não haverão mais peixinhos em vidros de maionese. Todos os segundos de um século são insuficientes para esquecer tal obra...

Não fui burguês por conta própria, talvez a maldade fosse insuficiente para isso. Não há mais capas e espadas para isso, toda lógica acaba sendo repugnante, eu bem o sei...

Farei um tango para as bicicletas, prometo limpar o canto das minhas unhas, serei um bom menino. O jantar pode ser servido de uma vez por todas, será a minha última refeição...


(Extraído do livro "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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