quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

De Barcos e Rumos

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Vários rumos e um só barco – você. Nada será diferente. Eu, o menino de olhos tristes e tortos e chegou a essa conclusão. E outras que o tempo ensina. Quais? Que o sonho só poderá ser sonhado e nada mais. Se ele se realizar, não será mais sonho e sim desengano. Deverá existir em seu peito enquanto você existir e mesmo quieto e tranqüilo, ainda assim, será um espinho que fere, mas que provocamos tal coisa.
O meu barco? Ainda navega, ora calmo, ora naufragando, na eterna procura do nada, na eterna ânsia de buscar algo que nem ao menos sabe o que é.
Poetas, cuidado! Não pensem em falar coisa alguma fora de si mesmos. Não pensem em terras distantes, nem monstros fabulosos. Não existem belas damas, nem cavalos alados. Reinos cobertos de ouro pelas calçadas, pedras preciosas em arcas de ferro. O tesouro maior se reduz a pequenas coisas que nunca virão. A nossa mão cabe o maior deles. Mas o mais precioso entre os dedos escorre.
Um dia eu pensei em rimas lindas e absurdas, mas o tempo corroeu tudo. Pensei em gritar, mas o silêncio foi a minha verdadeira voz. Pensei em rir, mas o choro comprou-me em cash.
Eu pensei em ser tanta coisa. Pensei em fazer tanta coisa. E larguei todas elas pelo caminho como se fosse chuva.
A solidão é um barco sem destino...

Primitiva Forma


Primitiva forma e forma essencial, detentora e mãe do próprio caos anterior. Nada do que eu veja ou faça, nada disso não passou antes sob teus olhos.
Hoje detentor de teoremas e de argumentos, nunca poderei me livrar de ti. Nunca poderei ser outro que não o primeiro, nunca faria nada a mais do que no princípio dos dias.
Primitiva forma e forma, complexa criadora dos sonhos mais simples. Sonhos que não consegui realizar, mas que nem por isso morreram.
Olhem para mim, nada mais sou que o sempre fui. Deleite do divã do analista, banquete antecipado para os vermes, mas acima de tudo louco e humano, como são todos. Inventor de uma nova gramática ou língua (não sei muito bem), rezo a cada momento por coisas que eu mesmo não sei.
Primitiva forma, forma louca, onde andarão meus objetos de desejos? Pessoas e coisas e cores e sons, nada se separando na verdade, nada na verdade sendo mais que um só. Carnaval, sem desejos mais do que todos, o que mesmo hoje amargo, ainda continua doce. Desejo reunido por todas as bocas, desejo escondido em cada canto das ruas ou do próprio ser.
Alguém aí tem o perdão exato? Não o quero, quero mais que tudo aquilo que está lá, perdido dentro do peito, mas longe dos homens e de sua maldade. Não eu fui que pedi para ser um deles.
Primitiva forma, forma de desejos e sonhos...

Na Cartola do Mágico


Naquele chapéu preto e alto eu via mais além. Eu via e queria ser mágico. Quase tanto quanto queria ser feliz. Não o via apenas como o homem que tira coelhos. Era ele o mágico, o senhor de destinos e coisas que brilham.
Eu queria ter bigode e cavanhaque como o dele. E queria ter uma capa como a sua. Uma capa que me protegesse contra a própria vida.
A vara do mágico era mágica. Com ela eu poderia voar e ver terras distantes. Com ela poderia fazer aparecer diamantes. Com ela poderia ser invisível. Poderia fazer o impossível. Quem sabe mais tarde – eu sabia já que existia a Morte, só não sabia que ela viria queira ou não – eu poderia fazer que os meus nunca fossem embora.
O charme do mágico era tudo. A linda mulher de vermelho que acompanhava seus números poderia ser minha. Com seu vestido vermelho e seu corpo escultural. Seus lábios sempre pintados e seu cabelo vindo até a cintura. O mágico não tinha olhos tortos, o mágico não tinha contas para pagar, o mágico sorria o tempo todo e não tinha tempo pra chorar.
A cartola do mágico era a minha meta, sua capa, sua vara de condão, deveria conter todos os meus segredos, deveria guardar para sempre todos os meus medos. Deveria ter tudo que um dia quiz, prender a tristeza que fez o menino tão infeliz.

Mistério


Não sei como começou, mas começou sim. Na chama das velas eu via além. E o fogo era mais do que simples fogo.
Para mim, muito depois do grande sono coisas e coisas a mais. Como? Eu via nos olhos das outras pessoas um medo que eu não tinha ou talvez tivesse e esse conseguisse esconder de mim mesmo.
Não me perguntem a palavra. Porque há palavras e palavras. Algumas para serem ditas, outras para serem escutadas e outras ainda que não podem uma coisa ou outra. Apenas existem e estão lá, tão vivas e certas. Mas tudo que não conhecemos aperta nosso coração.
Havia segredo em todo canto. Havia encanto em todo segredo. E os dois podiam fazer que perdêssemos o nosso sono. Não a perda que hoje tenho quando olho o teto e entre um cigarro e outro espero que este venha. Não. Era algo maior que agora talvez tenha pegado o começo do fio da lã que compõe a meda. Mas antes não.
Uma vez, nem sei quando foi, mas tenho certeza que foi, brincávamos. Umas velas acesas e a noite. E risos nossos porque fazíamos algo diferente. Mas aí a surpresa. De repente, eu, o mais novo, o menor e o mais bobo com certeza liderou a brincadeira e dessa vez todos tiveram medo, menos eu.
Por que caminhos me levaram não sei. No mar que tanto falo os primeiros sinais. E só. Mas as coisas são assim, geralmente todas elas, são caminhos que nos levam até certas curvas e nas curvas o destino nos encontra.
Não canto hoje o que não cantei ontem. É que a voz mudou e por isso pensam que a canção é outra, mas continua a mesma. Os homens se enganam com isso. Nada muda, a perfeita forma continua lá. Só os olhos mudam, só os cinco sentidos são a impermanência que faz as estrelas se moverem. Nada existe que não tenha existido sempre.

Mar: Verbo Amar

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Misture-se o sal ao sol, nele acrescente uma pitada de tempo e aí estarei eu lá. Como sempre foi, desde a primeira vez que não lembro.
Só sei que não lembro, mas sabia e sei e saberei que te amo mais que a própria vida, que era tão pouca quando quase me roubou.
É esse mesmo que agora, talvez um pouco mais novo e menos sujo, mas sempre o mesmo.
Foi assim:
Num dia quente mais do que todos, com muita gente, fomos nós dois. Meu pai, distraído conversava com duas mulheres e eu brincando vi o que nunca esqueci.
Havia o sol, havia o céu, mas antes deles dois havia uma outra coisa que nunca mais vi. Havia uma cortina transparente de água, um vidro azul claro e mau que queria me levar. E quase assim foi...
- É seu filho? – perguntou o salva-vidas entregando-me desmaiado.
Depois disso, fora as águas-vivas que me queimavam e que me faziam ir para a areia passar remédio e perder alguns minutos do banho, não posso reclamar do amor que ainda tenho.
Só que hoje te evito. Não sei por que, mas te evito. Deve ser que o velho peito (sobrecarregado para o menino que ainda teima de em mim viver) não procura as mesmas emoções que evocas em cada passo. Teu cheiro de mar e maresia, lembra tempos de férias e outras loucuras de mais adiante, que tenho ainda e teimo em me torturar ao lembrar.
O espinho não está mais no pé, mas a dor parece existir.
Mar, mar, mar, testemunha de outras coisas, de carnavais e passeios no parque, de visões noturnas de rodas-gigante, de trapaças e tramas dignas de novela, perdoa quando me afasto. Eu sempre volto, talvez como um dia voltarei em silêncio, talvez querendo os ares da Terra-do-Nunca que nunca terei.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma Outra Casa: Bagunça

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Não pensem diferente. Que pena... Se a roda do tempo rodasse para trás, bem queria falar outras palavras e mostrar meu rosto. O rosto diferente do que na verdade conheceram.
Não fui o anjo, fui o demônio acorrentado em suas próprias correntes. Anjos, eram os que me cercavam e que pensavam desta forma.
Sentado junto com meu amigo ou, às vezes, sozinho como era meu peito, fui o melhor dos melhores, santo dos santos, exemplo a ser seguido, mas somente para os que queriam aparentar.
Não fumei os cigarros escondido no banheiro. Mas o quiz fazer e até hoje compenso não largando este meu vício tardio. Não namorei nem bolinei nossas queridas meninas, que hoje carregam a santidade das boas famílias, enquanto eu, anjo negro, carrego comigo a triste sina de desejá-las em mórbidos versos. Não fui o bem sucedido senhor da sociedade, mas o feiticeiro em versos ou gestos, que cantou sonhos e sonos de morte.
Aproveitem senhores, enquanto podem, na mente dos que riram as fantasias nunca acordam. Mas outros, como eu, que só choraram, hão de guardar eternamente o que passou. Nada disso já lhes pertence, mas até a sua vida agora é nossa. Uns conviveram com os vivos, outros guardam os mortos.
Confesso crimes inomináveis, que só eu mesmo podia cometer.
Meu amigo tomou três dias de suspensão e um grande puxão de orelha porque, delator, disse para a inspetora que eu tinha levado para aula uma revista pornográfica (só não contou que a denúncia vinha pelo fato de não ter emprestado). Eu não tinha, fui obrigado ao vexame, de melhor aluno de toda a escola, colocar todo meu material em cima da carteira para ser examinado.
Mas confesso agora: tive sorte. Não a levei naquele dia, ela estava escondida na estante que meu pai colocou no meu quarto porque tinha mais livros que um menino comum da minha idade. Mas que a possuía e a tinha levado, isso sim. E se ele mereceu e teve uma suspensão, também merecia e não tive.
Ana, não sabes, quando no velório de nossos segundos pais, a minha alma ficou um pouco mais leve com essas palavras:
- Desculpe meu amigo, se soubéssemos que você era assim, teria lhe convidado para tudo que nós aprontamos...
Eu perdi, sim perdi tudo, mas guardarei na alma a certeza, que mesmo separado, fui e me sinto um de vocês...
Mais bagunças vou contar, calma, espera o tempo.

Uma Outra Casa


Não me lembro bem como foi. Mas me lembro das palavras do meu pai que também já foram faz muito tempo.
Foi em maio, quando fazia sol (maios fazem sol?) e eu passeava na cadeirinha da bicicleta. Era na frente da igreja naquela época e eu entrei no meio das outras crianças. Fiquei.
Durante muito tempo foste uma outra casa. Uma casa aonde ia muitas vezes alegre e muitas mais triste.
No começo – eram duas salas de madeira, de onde mesmo alguns traços guardo no sótão da memória, onde existem tantas outras coisas queridas e empoeiradas.
Depois, em outras tantas salas de madeira também, mas em outro lugar.
Um dia, era férias quando tudo começou, ao voltarmos surpresa, salas novinhas de cimento e as mesmas velhas carteiras de dois lugares, pesadas, de madeira escura e algumas ainda sem a parte de baixo para colocar o material.
E assim foi crescendo. E eu gostava lá de cima, o mesmo tanto que detestava ou tinha medo das escadas.
No começo, só o pátio, onde podíamos provar a certeza da Relatividade, quando um mundo se fazia em alguns metros quadrados. Era bom. Mesmo quando chovia ou meio que afobados para entrar na sala de aula (para que o tempo passasse mais rápido) cantávamos o Hino Nacional como bons e inocentes filhos da ditadura.
Me lembro ainda não como pessoa propriamente dita. Mas alguém ou alguma coisa que usava uniformes.
O do Jardim de Infância (onde fiquei por quatro anos por falta de idade) eu nunca gostei porque não sei por que era parecido com um vestido e nada tenho contra eles a não ser usá-los. O quadriculado não me importava. Ele foi parte de um bom tempo da minha vida que fazia até a vez de pele.
Sim. Aí sim. Fiquei contente quando pude colocar as calças curtas (as outras ainda levei um tempo para colocar) e a camisa do mesmo quadriculado azul e branco com o emblema no bolso. Um símbolo que talvez faça falta ainda hoje.
Era bom e eu não sabia, assim como deve ter sido para muitos. Ser vigiado ternamente pelos outros “pais”, que queriam que não víssemos com a nossa malicia inocente as pernas das meninas.
Nos dias de sete de setembro, ainda no azul e branco, carregar bandeirinhas de papel com hastes de bambu que quase sempre quebravam no final e comer sanduíches feitos com sinais de mortadela e beber sucos que tinham uma cor longe e que com alguma imaginação tinha açúcar.
Um dia cismei e maravilha das maravilhas – fui tocar surdo na banda. Só pelo fato de estar ali compensava certos sacrifícios – perder algumas matérias e depois copiar a matéria do Geraldo Cézar com sua letra mais horrível que a minha, ficar com a marca do cinto de couro no ombro, usar baquetas que deixavam ao mais descuidado farpas pequenas nos cantos das unhas, invejar os outros instrumentos de quem sabia tocar melhor do que nós principiantes. As vantagens? Faltar às matérias que depois eu copiava, usar a calça azul com o tênis que doía a ponta dos dedos e a camisa branca de meia com o símbolo da escola, além, é claro, maravilha das maravilhas, a boina vermelha que meu pai comprou.
No ano seguinte meia decepção. Quando podia trocar para a caixa, caminho para o tarol, descobri no primeiro dia que nada podia fazer, já que, definitivamente, só meus ouvidos nasceram para a música, mas as mãos não.
Aí, destino cruel que nem o resto, achei melhor passar para o bumbo e depois carreguei bandeiras.
Essa foi a outra casa. Que falarei tantas outras vezes. E chorarei também, como muitas outras coisas.

Espaço

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Na primeira noite em que dormimos, eu não sei. Sei que o cansaço não vinha dos pés, mas do meu peito. Lá fora, um vento que presumo existia fazia um coro como as carpideiras de um antigo funeral, mas confesso que gostava. Como gostava de coisas e coisas que não percebia e que hoje fazem falta.
Doces comidos sentados numa calçada quando em visita, brigas de família resolvidas com e sem sutileza. Óculos e dores resolvidos no gás. E mais não sei que muito me valiam.
O menino era pequeno, o espaço era grande. Um espaço que distanciava o que não se podia medir e até hoje se torna em luta para poder descrever.
Como um avaro eu conto e reconto cada moeda. E me dou por feliz por não enlouquecer por demasia.
A casa que tínhamos era bem pequena. Mas era todo um mundo. No portal o mesmo Sagrado Coração de Jesus com seus misteriosos furos e depois da luz elétrica incontáveis pontos.
No quintal os três pés de coco, o da frente era do meu pai, o perto do poço era o meu e o outro da minha mãe. Perto do coqueiro do meu pai, parecia até coisa de livro, o pé de laranja lima que chorei quando acabou morrendo.
O poço que meu pai tirava água e quase perto a moenda de cana, debaixo da caixa d’água que não me lembro de ter sido cheia alguma vez.
A primeira casa era simples. Uma sala onde estava um rádio azul, o banheiro que abria para a sala e tinha o piso mais alto e quarto. Na sala um sofá azul que meu pai trouxe de Niterói e tempos depois a televisão preto e branca, que no dia de sua chegada, me lembro de ver o caminhão na nossa rua para trazê-la e vim correndo na frente para poder avisar. Aí, já era tempo de luz.
Depois disso, mudamos para uma pequena casa, em frente à escola, enquanto meu pai aumentava nossa casa. Era um tempo de frio e costumava dar mofo nas roupas que não secassem ao sol. Nesse tempo, via o Capitão Aza e sonhava com as incontáveis festas juninas que afinal foram uma ou duas nem me lembro bem.
Voltamos. E tu casa que não me pertence mais, mas que permanece fechada, tinhas crescido talvez mais que o menino. Ganhei um quarto onde também ganhei sustos. Havia agora uma sala maior e uma cozinha e um forro onde fui uma ou outra vez pela escada e confesso que senti medo. Como também senti quando tuas janelas se fecharam e a febre do sarampo quase me consumiu de vez.
Saímos de novo. E permaneceste vazia. E agora, já não mais na frente da escola, mas sim ao lado, vivi meus primeiros amores e desatentos. Nunca, nunca pequena casa, me senti tão mais pequeno do que eu era e nunca senti tanta saudade ao mesmo tempo. Saudade de ti, minha princesa, saudades de todos os meus amigos, saudade até do meu primeiro gesso, saudades suas primo e de nossas brigas, saudades de que mais foi ao vento.
Depois voltamos a nossa casa e depois de tua morte, pai, saímos de lá. Mas passados tantos tempos, ainda sonho que vives (ou vives mesmo?) e estamos lá no mesmo lugar esperando o final dos tempos...

Todos os Nomes


Nomes feios ou bonitos, mas sempre nomes. Não nomes feios desses que a gente fala em várias vezes. Mas feios porque diferentes para nós e não para os outros. Mas como ia dizendo, nomes.
Nomes no balanço do vento que nem barquinhos na água. Alguns que eu amei, outros que não. Mas sempre nomes. Alguns lembrados, outros esquecidos pelo consciente, mas todos ainda no mesmo lugar.
Nomes que foram só porque foram, nomes que foram e eu não queria, nomes que esqueci e nem deram adeus e outros ainda que eu vivo neles.
Nome da primeira vida. Nome da primeira de muitas idas. Nome do primeiro amigo, do primeiro irmão e do primeiro cúmplice. Nome da primeira e das outras amadas também.
E nomes de coisas que dizem não ter nomes, mas acabam por si só tendo. Nome das cores e em cada uma delas. Nomes das ruas e do tempo.
Por onde anda tanta coisa se nunca foram de mim?
Caso encontrem-nos por aí (e a tua piedade for maior que meu pesadelo) perguntem por mim o que é que houve. E me tragam a resposta mesmo se já for tarde.
Perguntem à chuva por onde anda. Perguntem ao sol onde ele começa. Perguntem ao amigo se ele existe. Perguntem pra amada se ainda tenho chance. Perguntem ao colega se agora eu posso brincar. Perguntem se ainda existe um lugar na roda para mim.
E se te perguntarem quem mandou perguntar diga-lhes que não sabes meu nome, não porque não te contei, mas porque não perguntaste por saber bem quem sou eu. Eu sou aquele que vive em cada peito enquanto cada um vive em mim. Aquele que chorou mais do que riu, mas que não se arrepende de ter rido e que rirá quantas vezes necessário for. Mas se ainda assim te perguntarem, diga que meu nome não pode ser dito e apenas lido e quando perguntarem onde indique as nuvens.
Outros, meu amigo, outros nomes e outras cores, leia até o final e descobrirás que somente se resolveres meu enigma eu te direi, mas se não, te devorarei no mesmo espaço...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Toda Forma


Na primitiva companhia de si mesmo. Sim. São pedrinhas perigosamente jogadas num poço abandonado. o choro após a corrida.
Nunca, nada, nenhuma. Não tive culpa alguma e por isso mesmo mais fui condenado. Condenado porque o chão estava sob meus pés.
Não há mistério algum. A não ser nas coisas mais óbvias. Elementar meu caro Watson. As bolas de gude nada mais são que paraísos vitrificados em suas mãos nuas. Quem saberá mais que isso?
Cores e formas juntas numa sagrada alquimia. Está lá, apenas veja. Está lá, apenas ouça. Está lá, apenas seja e nada mais pergunta. Porque perguntas foram feitas para não serem respondidas, assim como os doces para apenas serem olhados.
São passos de escada que não quero subir. Um dia escorreguei de uma delas. Nunca mais quero subi-las. Por isso em meus sonhos, delas escorrego e rio e rio e ainda procuro mais. Assim como neles vôo sem nunca ter tirado os pés do chão. Porque as alturas que gosto e quero nunca saíram de dentro do meu peito.
Atrás da bola – nunca corri. Cansa-me o espaço que não seja o infinito. Mas o menino corria o tempo todo atrás dele mesmo. E em palavras como essa nunca mais mostrou como ser um triste – só assim viveu.
Viveu em ternas e falsas fantasias. Em mais do que conservadas mentiras que lhe feriram menos.
Não se iluda meu amigo. Centenas de palavras poderão ser ditas, mas nenhuma delas de nada valerá como as que não puderam. As que não puderam são as únicas que valem bem mais.
Não se iluda meu amigo. A minha loucura e a sua não são idênticas, são as mesmas, só que vivem em peitos diferentes. São a mesma água percorrendo rios em outras terras. Os nossos desvarios têm o mesmo gosto, são só outras bocas que os comem. Os nossos passos cambaleiam embriagados do mesmo jeito, são apenas outros os licores que bebemos.
Como gosto de poemas. São dos poucos que me trazem tristezas sem me ferir. Como gosto de canções. São as únicas que me lembram sem me desesperar. Nada que foi voltará, mas nunca partiram.
Aquele que apontou seu punhal em minha direção, não peça perdão. Nunca é que o nunca perdoarei, mas porque não se precisa pedir o que já se tem. A morte não me traz mais medo do que ir em direção ao fim da alegria...

O Que Há Entre as Nuvens?

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Em minhas mãos nada teve. Entre meus dedos tal como sonhos escorriam pedidos e sonos. Quem é capaz de me julgar? Não foi como em livros coloridos que eu queria ter que a vida passou. Nem como os decalques que nem sempre colocava em meu caderno.
Olhar para o alto mesmo quando o sol queima ainda é bom. Menos para os que esperam a noite em desatino.
Existem sonhos e sonhos. Alguns são tão pequenos como o mundo e outros tão grandes que implodem o peito. Maldades podem ser feitas camufladas em belos tons e justificáveis aos olhos de quem não chora.
Nunca mais, nunca mais façam assim. Deixem que cada caminho siga seus espinhos. Deixem que cada cor cumpra o seu papel. Não encontrem um mau lugar no coração de quem chora.
Mais que quaisquer guerras, há maldade e tristeza em pequenos gestos que se escondem, mas nunca morrem.
Foi assim:
O menino olhou a antiga tela de televisão e quiz um sorvete. Pediu sabendo que não ia ser atendido, mas foi. Nossa! Será que os sonhos às vezes acontecem? Não, meu querido! Sonhos quando se realizam são cruéis demais para que se acabem.
- Obrigado, papai!
- De nada, põe ali na geladeira.
Como seria bom porque se quiz...
- Posso abrir ou o senhor abre?
- Só abre quando eu mandar. Eu que comprei... Quer abrir? Que abra o seu...
E assim foi. A tortura de ver e não poder. Um simples sorvete, desses de pote de metal e estampa colorida. Um dia, dois, um mês, um ano, nem sei mais quanto. Ferrugem e gelo.
Um belo dia, a senhora visita foi lá em casa, era noite, após a janta.
- O que é isto?
- Sorvete...
- Se não abrir, estraga.
- Então pode abrir, vamos comer...
Mas estava estragado, não dava mais. Aquilo ali foi mais que um sorvete, foram dias e dias de tortura para olhos pequenos numa alma torturada. Mais que os gritos que vinham da masmorra do castelo, assim gritou meu silêncio.
Por que fizeste isto? Eu era o menino que não te escolheu com tuas loucuras, mas que no fundo te amava. Era o menino que compreendia toda a tua tristeza que não se importava com a minha. Era o menino que trouxeste ao mundo para mostrar que nada havia de bom. Era apenas um sorvete, custou tão pouco, não precisava ser alimento para sua maldade, mas assim o foi.
Passados tempos e ruas, quando penso naqueles dias que a mente tenta esquecer, não consigo. Nunca mais comi sorvete de coco. Talvez o analista tente explicar, mas com certeza é a homenagem do menino que nunca parou de chorar...

Com Bons Olhos

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Com bons olhos vejam a história. Não o julguem – apenas olhem. Cada passo, enfadonho ou triste, mas digno de pena e atenção. Bem cedo veio o vidro e depois o inútil corte. Por quê? Porque a luz que o guiava foi a sua perdição, nos cantos escuros do quarto nada foi e tudo ainda.
Não entendeu o que eu disse? Nada posso mais lhe falar do que a linguagem surda do coração. Qual Quixote há muito perdido em sua lucidez, cantemos cada triste figura passada em antigos desenhos.
Eu quiz e quiz cada vez mais ser alguma coisa fora de mim mesmo e quanto mais resisti fui eu mesmo e cada vez mais.
Feio fiquei quanto mais queria a beleza. Mau quando queria cantar para os céus. Triste no meio da festa. Sem amores ontem, hoje e sempre. Não sei quantas dores senti, mas que as tive isso sim, tão certo como uma conta em exagero.
Minha avó ia morrer. Mas o que era a morte fora do que eu sentia? Pois bem, façam-lhe por menos. Se o menos pudesse ser feito. Mas nós fugimos do berço e invadindo a sala de aula, recebemos a nós mesmos nossa única e insana lição de piano. Fique com o lado direito que eu fico com o outro lado.
Por que choram? Olhem, ela não morreu, apenas dorme. O sono que muitos dormem e ainda não acordaram. Quando morrer, apenas dormirei, e cada eternidade na verdade é tempo algum.
Se até aqui nada entendeu, repetes os muitos que vi...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Pedaço de Mim Mesmo

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E eis que tão triste
Sou um pedaço de mim mesmo
Aquele que não mais existe
Um tiro que foi a esmo
E ainda que ainda teime
Na teimosia de uma espera
E o coração bata e o peite queime
Formou-se apenas a fera
A fera que te espreita
A fera que vaga entre os vivos
Que fará um crime sem suspeita
Que te dará todos os motivos
De ser o menos dos menos
De chorar mais do que ela chora
E verás os gestos pequenos
Que se viram e vão embora
Pois nesse dia escuta bem
O meu silêncio doerá mais
E a mágoa que por aí vem
Não te deixará em paz
Eis que tão triste
Sou um pedaço de mim mesmo
E se alegria ainda existe
Devo atirá-la a esmo
E o que ainda gosta
Do pouco que ainda sou
Há de virar as costas
Por saber quem me matou
Cuida de se afastar de mim
Protege-te da minha fera
Por mais que chegue o fim
Te aguardo em outra esfera
Te aguardo em outros abismos
Tem aguardo no nosso inferno
E te darei também cinismo
Do jeito mais doce e terno
Morte! Onde estás?
Fim! Meu amigo ainda não veio...
Olha o espelho e verás
Como és mesquinho e feio...
Eis que tão triste
Sou um pedaço de mim mesmo...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Nasceu


Eu sou o filho do ciúme, da desavença, do desatino, não há versos que eu possa fazer só de alegria, porque se fizesse não era só um triste, estaria mentindo.
Fugir pra nascer – eis a questão. Foi tanta lágrima sem choro e preces aos deuses pra que corresse tudo bem.
Nasceu. De olhos azuis que o tempo roubou. De jeito tranqüilo que se perdeu em outras eras. Um brinde a isso talvez. Meu filho é perfeito? Perfeito é som do vidro se quebrando em mil partes e o líquido cor de sangue em sagrada libação.
Perfeita é a chama do lampião que entortou teus olhos e que velou tua sorte. Perfeito é o mundo aos teus olhos que nada viam além dos sonhos e isso bastava. O que tiveste pela frente nada foi do que a confirmação de que os homens nascem apenas para a morte.
Nasceu o menino. Enfim a sobrevivência de alguns sonhos. Enfim a razão de alegria que se transformou em crueldade. Façam-no chorar, mostrem-lhe a injustiça antes do tempo em que a maldade devia chegar. Diga-lhe que os seus sonhos são como ele é – nada. E de nada façam a sua existência.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Rotina

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Teu nome já diz o que és. A rota que o dia toma mesmo quando nos debatemos, nos esperneamos e não queremos. E quando eu acordava com vãs esperanças, mesmo assim me vencias.
Cedo, com o sol ainda na preguiça de chegar ao seu lugar, acordava e sentia que um dia aquilo passaria, mas eu mesmo não sabia se queria partir ou ficar.
E as mesmas coisas eram feitas. E eram repetidas passo a passo, mas nunca eram as mesmas. Hoje, passado tanto tempo, o eu menino que habita em mim tem saudades daquilo tudo, até do que me fez sofrer. Ah! Água do mesmo poço que ainda existe, tantas vezes refletiste meus olhos tortos e riste nas mesmas ondas das pedrinhas que lá joguei.
Não penses que foi por acaso, velhos corredores, que meus pés passaram e ainda passam por lá, fazer parte da mesma ainda eternidade que choro exatamente porque não passa.
No carro preto e depois no branco, as mesmas ruas sem calçamento seguiam seus passos e me viam nos quadriculados sem jeito ao encontro do medo. Medo de não ser o melhor, medo de uma hora pra outra rir quando devia chorar. Medo de ter medo enfim.
Enfileiradas as mesmas carteiras, antigas e insondáveis, de onde a madeira talvez se pudesse, falasse de liberdades insanas de ventos e chãos que os livros em preto-e-branco mal careteavam.
Muitos rostos já se passaram. Alguns até hoje viraram aqueles que dormem um sono profundo. Mas na verdade não estão lá e nunca estarão. Estarão aqui, comigo, um a um, mesmo que não queiram e serão eternos como eu sou, do mesmo jeito, da mesma forma sem que nenhum mal e nenhum tempo os aflija.
Ah, meu amigo! O menino que te escreve estas linhas não te deu o beijo que queria nas róseas faces e nem dizer o tanto que te achava bonito. Não estranhes, não era a maldade que veio depois que te beijaria, era o amigo que chorava depois da tua partida. Que nomes tens ou pelo menos tinhas? Guardo comigo como aquelas ruas de chuva e mais do que ninguém poderia eu sabê-lo. Não precisas sorrir de novo (mesmo que assim eu o quizesse) porque mais que um guardião de sei lá que lendas guardo eu num pouco da minha eternidade.
Ah, minha amada! Onde estás? Presa em alguma mesmice? Não sei. Só sei que continuas bela aqui, bela como foi um dia a minha paixão, fogueira e brisa ao mesmo tempo, pedaços de sono que não dormi. Se um dia, o orgulho da mulher que te tomou conta quizer rir de alguma coisa, diga que ria de mim, diga que ria do menino mais feio e desajeitado de todos, mas que foi o teu mais fiel amante.
Ah, meus queridos! Onde estão? A colisão fatídica do auto não os matou, mesmo dilacerando os sonhos que escorriam em tuas mãos, não os pegar. Porque o lugar que lhes é maior que um segundo e enquanto houver nuvens nos céus e cantorias nas bocas, aí estarão as suas presenças. A única coisa que não disse é a que queria realmente falar – a bondade que sempre tivestes só um dia falhou e nesse dia foi com o menino e isso sempre fez o menino chorar. Não que fosse possível evitar os choros, mas esses na verdade o menino nunca quiz.

Não Quero Dormir


Não quero dormir – pensou o menino. Esperarei com os olhos sondando a noite a chegada do dia. No de ontem eu chorei, provavelmente chorarei no próximo, mas mesmo assim quero pensar que não. É engraçado como as coisas são, chamam de sonho aquilo que vemos no sono, mas se existem sonhos bons e sonhos maus, na verdade não podem ser sonhos. São só coisas que vemos quando os olhos fecham e nada mais.
Os sonhos são diferentes. São aqueles que mandam no dia, fazem que enxerguemos sem os olhos e falemos sem palavra alguma. Como o beijo da menina mais bonita da sala, o brinquedo novo que dificilmente ganharemos, a briga que venceremos ou os países que queremos pisar.
A menina pode não ser tão bonita, o brinquedo pode não ser tal legal, a terra nova pode não ter tal encanto. Mas é aquilo que queremos e isso que dá beleza e distingue os sonhos. Nos sonhos são o que queremos.
Por isso não quero dormir – pensou de novo. Quero pensar na luzinha do quadro do santo que tem na sala. Que vive aceso o tempo todo, mas que só na noite dá luz. Eu o vejo com carinho, nunca o toquei, mas sempre esteve lá. Um dia, de repente vão tirá-lo, talvez quem o invoque perca sua fala, talvez as paredes caiam, o teto desmorone, mas sempre estará lá.
As pálpebras pesam, pesam e pesam, a boca abre, abre e abre. Lá fora o bacurau que me assustou quando fui lá fora ainda canta o seu amanhã-eu-vou, mas eu sei que não poderá entrar aqui.  
E como sempre, acabei dormindo...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Circus Brazilis


Falsas baianas
Jogam búzios na calçada
Falsas teorias
Que nos levam à nada

Minha terra tem palmeiras

Já mataram o sabiá
Tentamos de qualquer maneira
Ninguém poderá escapar
Você senta na mesa e come
Consome qualquer bobagem
Dá suas lágrimas por um nome
Nisto faz a sua viagem!

Queridos meninos

Jogando bola na praça
Queridas lágrimas
Que caem pela vidraça

Minha terra tem mais vida

Nossa vida tem mais dores
Como é triste quem não pode
Quem não tem TV a cores
Nós vendemos o que temos
Não sabemos o que mais
Todo dia agradecemos
Por andar sempre pra trás!

Belos corpos

Que deitam comigo
Belas ruínas
Que não dão abrigo

Ao sonhar sózinho à noite

Mais prazer encontro lá
Sou mais um cara-pintada
Sem dinheiro pra gastar
Você vê cada mentira
Você vê cada furada
Mas talvez você prefira
Esta terra encantada!

Qualquer um

Vai pro congresso
Qualquer um
Faz seu sucesso

Minha terra tem palmeiras

Já mataram o sabiá
Tentamos de qualquer maneira
Ninguém poderá escapar
Você senta na mesa e come
Consome qualquer bobagem
Dá suas lágrimas por um nome
Nisto faz a sua miragem!!!

Sinais de Fumaça


compre figas faça fugas
meça o tempo com a régua
passe à ferro suas rugas
nesta batalha sem trégua
compre discos faça riscos
mesmo se não valer a pena
existem sinais característicos
em nossa alma pequena
compre metas faça setas
mesmo em direção ao nada
nestas tendências secretas
forma-se a nossa estrada
compre vento faça tento
coma as flores de veludo
aonde irá o lamento
se o telefone está mudo
compre celas faça telas
mostrando a noite dos dias
nos dias de nossas mazelas
poderão haver alegrias
compre tendas faça lendas
com suas histórias de araque
ainda temos várias prendas
na cartola do mandrake
compre festas faça frestas
onde qualquer coisa passa
aonde ardem as florestas
estão os sinais de fumaça
compre fugas faça figas
peça lento com a mente
traçe a ferro suas ligas
neste mundo tão doente
compre riscos faça discos
se isto vale um poema
existem rituais cabalísticos
que ainda requerem tema
compre setas faça retas
mesmo na direção errada
nessas tendências retas
como uma curva fechada
compre tento faça vento
como as cores de tudo
se formará o elemento
discurso de um surdo mudo
compre telas faça celas
mostrando o sol lá fora
num entra e sai das janelas
sem esperar sua hora
compre lendas faça tendas
ouça o som do atabaque
ainda temos várias vendas
que nos livram do ataque
compre frestas faça festas
onde se engana a massa
aonde ardem as testas
estão os sinais de fumaça!!!

Medidas Extremas

Resultado de imagem para protesto
A revolução de nossos olhos
O nosso olhar revolução
Veremos o que não vimos
Aprenderemos dizer não!
A moda é foda!
O gesto é indigesto!


A rebeldia de nossos ouvidos
Os nossos ouvidos rebeldia
Exigimos o que nos pertence
Devolvam a luz do dia!
O povo é novo!
A história é inglória!



O motim da nossa boca
A nossa boca motim
Clamando à todos os deuses
Antes que chegue o fim!
O pranto é canto!
A pele é dele!


O levante de nossas mãos
As nossas mãos levante
Querendo o fim das mentiras
Que chegam cada instante!
A cura é pura!
A paz é mais!


A revolta de nossas pés
Os nossos pés revolta
Alertando às vezes em vão
Que o mar vem e volta!
A valsa é falsa!
O terno é eterno!


A revolução de nossos olhos
O nosso olhar revolução
Veremos o que não vemos
Aprenderemos o coração!
A moda é foda!
O gesto é protesto!

O Grande Vício


Respire esta fumaça
Faça este sacrifício
Viver é uma grande pirraça
Viver é um Grande vício
Dar de cara com o obstáculo
Sangrar mas ir andando
Não parar com o espetáculo
Rir enquanto se vai chorando

Assista esta trapaça

Perceba este indício
Viver é uma grande farsa
Viver é um grande vício
Caminhar sem um objetivo
Não ser amado mas amar
A importância de ser vivo
Consiste em de vivo estar

Beba desta cachaça

Suporte este malefício
Viver é uma grande ameaça
Viver é um grande vício
É andar tateando no escuro
É cantar espantando o medo
Saber que o mal do futuro
Pode chegar mais cedo

Olhe esta vidraça

Observe este precipício
Viver é uma grande chalaça
Viver é um grande vício
Há tantos caminhos falsos
Quem estará certo afinal?
Andamos com pés descalços
O vidro quebrou foi mal

Testemunha essa massa

Exerça este ofício
Viver é uma grande graça
Viver é um grande vício
Esqueça do que foi ontem
Nem lembre sua fantasia
Morrer é passar na ponte
Que leva à um outro dia

Respire esta fumaça

Faça este sacrifício
Viver é uma grande pirraça
Viver é um grande vício
Não correr do obstáculo
Sangrar e ir caminhando
Não se pára com o espetáculo
Vamos rir enquanto chorando

De Um Cínico Número 4 ou Não Há Milagres

Imagem relacionada
Não há milagres no céu
Não há milagres no mar
Não há milagres no véu
Nem há milagres no estar


Os milagres que conheço
São tão fáceis de achar
Todos eles têm um preço
Que você pode pagar
A boca que você beija
A luz de qualquer olhar
Vale o preço de uma cerveja
De madrugada num bar


Não há milagres na parte
Não há milagres no total
Não há milagres na arte
Nem há milagres no banal


Os milagres que conheço
São tão fáceis de curtir
Eles são como o adereço
Que você pode vestir
A flor que nasce bela
E a juventude do moço
Como aquela luz da janela
Tudo cabe no seu bolso


Não há milagres no bem
Não há milagres no mal
Não há milagres no além
Nem há milagres no jornal


Os milagres que conheço
São tão fáceis de saber
Os anjos têm endereço
As bocas precisam comer
Os mitos são inventados
Os heróis e suas batalhas
Aos ricos os bons bocados
Aos pobres suas migalhas


Não há milagres no púlpito
Nem milagres no terreiro
Não há milagres no súbito
Nem há milagres no corriqueiro


Os milagres que conheço
São tão fáceis de achar
E minh"alma que esqueço
Ainda está no mesmo lugar
Tão triste e desiludida
Sem nada que a consagre
Sabendo que esta vida
É o nosso único milagre


Não há milagres nos profetas
Não há milagres nos perversos
Não há milagres nos poetas
Mas talvez exista nos versos!!!

jogos do sol


O sol brinca conosco
Em dias de chuva se esconde
Vai pra trás das nuvens
Vai pra onde? Vai pra onde?


Está sempre sorridente
Em dias quentes quer mais
Testemunhas de nossos crimes
Faz brilhar os metais


Brilha por cima dos berços
Também acompanha funerais
Visita todas as terras
Beija as ondas dos cais


Faz carícias naquela moça
Também percorre o corpo do rapaz
Viu muitos dias de guerra
Viu poucos dias de paz


Sobe ao alto dos morros
Reflete a cor dos murais
Ficou na porta dos olhos do cego
Onde não entrará jamais


Foi deus em muitos altares
Veio dançar com os mortais
Depois acendeu as bandeiras
Que brincam pelos quintais


O sol brinca conosco
Em dias de chuva se esconde
Vai pra trás das nuvens
Vai pra onde? Vai pra onde?

paisagem moderna com fonte cristalina

Resultado de imagem para chafariz antigo
eu vejo uma paisagem eterna
como uma luz nesta neblina
é uma paisagem moderna
com sua fonte bem cristalina
marchamos obedientes
por entre as gentes
informes
em nossos uniformes
galantes
em passos claudicantes
os arranha-céus nos olham
o choro dos céus não molham
por certo certos estamos
mas em que lugar chegamos?
somos seres humanos
demônios debaixo dos panos
fabricamos guerras e lixos
matamos terras e bichos
fazemos qualquer negócio
tristeza beleza e ócio
escravos de sôfrega busca
um pirilampo qualquer nos ofusca
sedentos retirantes
bebemos qualquer instante
quem é que não quer
ser aquilo que não é?
à todos nós interessa
chegarmos ao nada com pressa
quem não está interessado
em puxar a brasa pro seu lado?
use pra tudo o seu riso
mate se for preciso
eu vejo uma gravura eterna
como uma cruz de rotina
é uma paisagem moderna
com sua fonte cristalina
viver é um vício
sexo é o início
respirar com sacrifício
na beira de um precipício
morrer é mais uma viagem
nesta doce e podre paisagem...

A Dança dos Mortos


vamos dançar como dançam os mortos!
com os olhos tortos
como um cego olharia
com o olhar mais puro
tateando no escuro
sem pai sem mãe sem tia!

vamos dançar como dançam os mortos!

com naus sem portos
como um bobo partiria
com o coração partido
com a boca cheia de gemidos
sem coragem sem emoção sem covardia!

vamos dançar como dançam os mortos!

com os ossos tortos
como um coxo andaria
em direção ao estreito leito
do ataúde de seu próprio peito
sem dor sem mágoa sem alegria!

vamos dançar como dançam os mortos!

com risos indispostos
como um lobo uivaria
esperando sem saber o Quê
enquanto o nada continua à crescer
sem noite sem tarde sem dia!

vamos dançar como dançam nós!

com um grito sem voz!
com um grito sem voz!!!

Competição


tiro de meta
tiro da seta
tiro da reta

no frio os gatos se encolhem e dormem

no medo os homens se calam e correm
na vida os sonhos nascem e morrem

ri do amigo

ri do perigo
ri do castigo

no fogo os metais se aquecem e [fundem

no amor tristeza e alegria se [confundem
na fome as carnes se ferem e se [contundem

chega de trama

chega de drama
chega de lama

na fumaça os velhos dogmas se escoram

no bolso dos ricos é que os pobres moram
no rodar do tempo as carpideiras choram

filho da luta

filho da bruta
filho da puta

nas decepções os desejos se arrefecem

no tesão os nossos sexos crescem
na fila de espera todos envelhecem

vida de castro

vida de astro
vida de rastro

no estado em que as coisas se encontram

nos caminhos que as evidências apontam
nas brincadeiras malvadas que nos aprontam

tiro de meta

tiro da seta
tiro da reta
(Sepetiba, RJ, 20-06-1998)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Brincadeira de Gato e Rato


o gato convidou o rato.
vamos dançar cirandinha!
o sol atravessa o furo.
o passado já virou futuro.
a saudade virou doença.
o frio quebrou os ossos.
o vinho engoliu a vinha!

o gato conquistou o rato!

vamos dançar cirandinha!
a vida tropeça no escuro.
o hesitado se tornou seguro.
a irrealidade virou crença.
o rio levou os nossos.
o vindo engoliu o vinha!
(sepetiba, rj, 20-06-1998)

Imagem do Desengano


Hoje não sei
Amanhã não serei
A não ser
A imagem distraída
De uma fantasia quase vida
Que sonhou só em sê-lo
Sem medo do sétimo selo
Gato brincando com novelo...

Hoje não sei
Amanhã não terei
A não ser
A visagem retratada
De uma fantasia quase nada
Que sonhou só em tê-lo
Sem enredo de ótimo cabelo
Gato brincando com novelo...

Providências Tomadas

Resultado de imagem para acendendo a vela
Acender a vela
Fazer a prece
E o quebranto
Nem tanto
Olhar o mundo
Fechar os olhos
Comer jornal
E ser normal
Fazer fumaça
Contar os niqueis 
Ir no enterro
O novo erro
Chegar na praça
Correr de medo
Ficar os anéis
Ao invés
Catar cavaco
Dizer besteira
Como os loucos
Aos poucos
Lamber sabão
Queimar tuia
Ser um iogue
Ou um hot dog
Dançar maxixe
Tocar corneta
Não ter viagra 
É uma praga
Catar coquinho
Ser esquecido
Fumar cigarro
É um sarro
Ficar na boa
Entrar na fila
Ir no banheiro
Não ter dinheiro
Crer em tudo
Calçar sapatos
Lavar a mão
Morder o cão
Cortar o cabelo
Lixar a unha
Ser só mais um
Ou nenhum
Coçar o saco
Roer os ossos
Ouvir apelos
Ou pesadelos
Chora de tédio
Rir de saudade
Cheio de cana
O fim-de-semana
Beber uma coca
Comer um sanduba
Dar graças à Deus
Porque comeu
Entrar em campo
Marcar um gol
Correr pro abraço
Mais um fracasso
Ir no cinema
Ganhar uma paquera
Uma grande ideia
Lá na plateia
Acender a vela
Fazer a prece
Quebrar o encanto
E o quebranto
Nem tanto!

(Extraído do livro "Palavras Modernas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

De Um Cínico 2 ou O Que Eu Quero


eu quero a infância perdida
eu quero a inocência roubada
o que restou desta vida
o que ficou na calçada
e a tua cara lambida
triste e tão debochada

eu quero o gozo dos pares
eu quero a insistência dos ecos
a fumaça que sobe nos ares
a cachaça pelos botecos
a tristeza vinda dos lares
mil canções feitas de tecos!

eu quero a ciência dos loucos
eu quero a beleza da dama
o mundo que morre aos poucos
se afogando na lama
os pedidos vãos e roucos
de todo idiota que ama!

eu quero a palavra falsa
eu quero cânticos profanos
o que se esconde na calça
bem debaixo dos panos
puta velha dance a valsa
com o michê de quinze anos!

eu quero a dor de ressaca
eu quero a sede maldita
o brilho vindo da faca
a saudade fazendo fita
o desespero de um babaca
por uma bunda bonita!

eu quero a distância perdida
eu quero a vitória frustrada
e a tua cara lambida
que já ficou na calçada
o que restou desta vida
somente isto e mais nada!!!
(Sepetiba, 03-06-1998)

(Extraído do livro "Só Malditos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Alguns Poemetos Sem Nome N° 322

O amanhã é o hoje com requintes de ontem. Todo amor acaba sentindo raiva de si mesmo. Os pássaros acabam invejando as serpentes que queriam ...