quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Que Há Entre as Nuvens?

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Em minhas mãos nada teve. Entre meus dedos tal como sonhos escorriam pedidos e sonos. Quem é capaz de me julgar? Não foi como em livros coloridos que eu queria ter que a vida passou. Nem como os decalques que nem sempre colocava em meu caderno.
Olhar para o alto mesmo quando o sol queima ainda é bom. Menos para os que esperam a noite em desatino.
Existem sonhos e sonhos. Alguns são tão pequenos como o mundo e outros tão grandes que implodem o peito. Maldades podem ser feitas camufladas em belos tons e justificáveis aos olhos de quem não chora.
Nunca mais, nunca mais façam assim. Deixem que cada caminho siga seus espinhos. Deixem que cada cor cumpra o seu papel. Não encontrem um mau lugar no coração de quem chora.
Mais que quaisquer guerras, há maldade e tristeza em pequenos gestos que se escondem, mas nunca morrem.
Foi assim:
O menino olhou a antiga tela de televisão e quiz um sorvete. Pediu sabendo que não ia ser atendido, mas foi. Nossa! Será que os sonhos às vezes acontecem? Não, meu querido! Sonhos quando se realizam são cruéis demais para que se acabem.
- Obrigado, papai!
- De nada, põe ali na geladeira.
Como seria bom porque se quiz...
- Posso abrir ou o senhor abre?
- Só abre quando eu mandar. Eu que comprei... Quer abrir? Que abra o seu...
E assim foi. A tortura de ver e não poder. Um simples sorvete, desses de pote de metal e estampa colorida. Um dia, dois, um mês, um ano, nem sei mais quanto. Ferrugem e gelo.
Um belo dia, a senhora visita foi lá em casa, era noite, após a janta.
- O que é isto?
- Sorvete...
- Se não abrir, estraga.
- Então pode abrir, vamos comer...
Mas estava estragado, não dava mais. Aquilo ali foi mais que um sorvete, foram dias e dias de tortura para olhos pequenos numa alma torturada. Mais que os gritos que vinham da masmorra do castelo, assim gritou meu silêncio.
Por que fizeste isto? Eu era o menino que não te escolheu com tuas loucuras, mas que no fundo te amava. Era o menino que compreendia toda a tua tristeza que não se importava com a minha. Era o menino que trouxeste ao mundo para mostrar que nada havia de bom. Era apenas um sorvete, custou tão pouco, não precisava ser alimento para sua maldade, mas assim o foi.
Passados tempos e ruas, quando penso naqueles dias que a mente tenta esquecer, não consigo. Nunca mais comi sorvete de coco. Talvez o analista tente explicar, mas com certeza é a homenagem do menino que nunca parou de chorar...

2 comentários:

  1. Poeta, narração triste em poesia e prosa do sofrimento de um menino e um pai rude, de coração duro, mas deve haver explicação em sua própria infância já que a psicologia diz que repetimos as "lições" que tivemos. Se eu fosse esse menino compraria um monte de sorvete de coco e tomaria, primeiro com raiva das lembranças, depois feliz porque o que magoou ficou para trás. O que vc acha poeta? Daí pode vir uma nova poesia de reconstrução da alegria? Eu vou fazer um dueto com ela, se deixar. Um beijo no coração do menino sofrido mas que Deus privilegiou com o dom da Filosofia, da poesia e da amizade. Bjs fraternos.

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  2. Lindo, triste...me lembrou o filme Como irmãos ao vento, em que o menino tem um pai rude.

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