terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma Outra Casa


Não me lembro bem como foi. Mas me lembro das palavras do meu pai que também já foram faz muito tempo.
Foi em maio, quando fazia sol (maios fazem sol?) e eu passeava na cadeirinha da bicicleta. Era na frente da igreja naquela época e eu entrei no meio das outras crianças. Fiquei.
Durante muito tempo foste uma outra casa. Uma casa aonde ia muitas vezes alegre e muitas mais triste.
No começo – eram duas salas de madeira, de onde mesmo alguns traços guardo no sótão da memória, onde existem tantas outras coisas queridas e empoeiradas.
Depois, em outras tantas salas de madeira também, mas em outro lugar.
Um dia, era férias quando tudo começou, ao voltarmos surpresa, salas novinhas de cimento e as mesmas velhas carteiras de dois lugares, pesadas, de madeira escura e algumas ainda sem a parte de baixo para colocar o material.
E assim foi crescendo. E eu gostava lá de cima, o mesmo tanto que detestava ou tinha medo das escadas.
No começo, só o pátio, onde podíamos provar a certeza da Relatividade, quando um mundo se fazia em alguns metros quadrados. Era bom. Mesmo quando chovia ou meio que afobados para entrar na sala de aula (para que o tempo passasse mais rápido) cantávamos o Hino Nacional como bons e inocentes filhos da ditadura.
Me lembro ainda não como pessoa propriamente dita. Mas alguém ou alguma coisa que usava uniformes.
O do Jardim de Infância (onde fiquei por quatro anos por falta de idade) eu nunca gostei porque não sei por que era parecido com um vestido e nada tenho contra eles a não ser usá-los. O quadriculado não me importava. Ele foi parte de um bom tempo da minha vida que fazia até a vez de pele.
Sim. Aí sim. Fiquei contente quando pude colocar as calças curtas (as outras ainda levei um tempo para colocar) e a camisa do mesmo quadriculado azul e branco com o emblema no bolso. Um símbolo que talvez faça falta ainda hoje.
Era bom e eu não sabia, assim como deve ter sido para muitos. Ser vigiado ternamente pelos outros “pais”, que queriam que não víssemos com a nossa malicia inocente as pernas das meninas.
Nos dias de sete de setembro, ainda no azul e branco, carregar bandeirinhas de papel com hastes de bambu que quase sempre quebravam no final e comer sanduíches feitos com sinais de mortadela e beber sucos que tinham uma cor longe e que com alguma imaginação tinha açúcar.
Um dia cismei e maravilha das maravilhas – fui tocar surdo na banda. Só pelo fato de estar ali compensava certos sacrifícios – perder algumas matérias e depois copiar a matéria do Geraldo Cézar com sua letra mais horrível que a minha, ficar com a marca do cinto de couro no ombro, usar baquetas que deixavam ao mais descuidado farpas pequenas nos cantos das unhas, invejar os outros instrumentos de quem sabia tocar melhor do que nós principiantes. As vantagens? Faltar às matérias que depois eu copiava, usar a calça azul com o tênis que doía a ponta dos dedos e a camisa branca de meia com o símbolo da escola, além, é claro, maravilha das maravilhas, a boina vermelha que meu pai comprou.
No ano seguinte meia decepção. Quando podia trocar para a caixa, caminho para o tarol, descobri no primeiro dia que nada podia fazer, já que, definitivamente, só meus ouvidos nasceram para a música, mas as mãos não.
Aí, destino cruel que nem o resto, achei melhor passar para o bumbo e depois carreguei bandeiras.
Essa foi a outra casa. Que falarei tantas outras vezes. E chorarei também, como muitas outras coisas.

Um comentário:

  1. Grande relato Carlinhos!Muito interessante. Me vi no I.S. exatamente como no início.Gde Abraço!
    Marcelo IS

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